sexta-feira, 13 de abril de 2018

MEB - AULA 1


 AULA 01 – CONHECIMENTO EPISTEMOLÒGICO E HISTÓRICO                






ATENÇÃO


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Régua e Compasso
Objetivos

Geral:

      Identificar, pelo gesto e pela fala e prática do professor, a concepção de conhecimento que permeia sua ação em sala de aula.

Específicos:

      Reconhecer as características da concepção empírica do conhecimento observando o gesto, a fala do professor e algumas práticas,
      Reconhecer as características da concepção apriorística do conhecimento no gesto e na prática e fala do professor.
      Reconhecer as características da concepção sócio-interacionista do conhecimento observando-o na prática didática do professor e em suas falas e em seus gestos.
Assuntos

      Concepção empírica.
      Concepção apriorística.
      Concepção inter(ação), situação, mediação.
Introdução

Olá, estudante!

A figura ilustra a conseqüência no aluno do resultado do diagnóstico formulado pelo movimento “Todos pela Educação” (2012) que mostra apenas 11% dos formados no ensino médio com nível de aprendizado adequado em matemática e 8% da população entre 4 a 17 anos fora da escola (Dados extraídos do Editorial da Folha de São em 12/02/2012). Iniciamos nossa aula nos colocando diante de um problema de políticas públicas e de educação matemática.


A representação mais comum das relações pedagógicas que podemos fazer ainda hoje da sala de aula de algumas escolas reflete uma prática pedagógica polarizada, tendendo a valorizar ora o professor, ora o aluno, ainda que se encontre uma representação, mais rara, em que a relação pedagógica manifesta uma interação entre professor, aluno e o conhecimento (BROUSSEAU, G. 2008).

·         O que essas polarizações têm a ver com o sucesso ou fracasso dos estudantes na escola? Como é a prática desses professores?

Respostas as essas questões serão dadas ao longo dessa aula, mas de antemão é preciso dizer que tal polarização é conseqüência e não causa do processo escolar que tem tudo a ver com o bom ou fraco desempenho do aprendiz. A polarização, todavia, pode ser tomada também como um dos fatores que contribui com o sucesso ou não do aprendiz.

A questão básica que se põe é a do fenômeno da polarização pedagógica refletida em determinadas concepções pedagógicas que se traduzem em práticas didáticas que, segundo alguns especialistas, podem se constituir um dos fatores facilitadores para o êxito ou não do processo de construção do conhecimento vivenciado fora e dentro da escola. Veja a figura a seguir.







A Figura mostra a representação de uma prática na qual a relação do (professor) com a informação e com o aluno é bem hierarquizada.


SAIBA MAIS





Sátira na qual se pode inferir o papel predominante e o comportamento autoritário do professor em sala de aula.

·         Relação pedagógica polarizada no professor?

Trata-se de uma relação possível de ser observada em sala de aula que tem como principio fundante uma pedagogia que valoriza relações hierárquicas ao visar à transmissão do conhecimento já “acabado”, revelando e fortalecendo a formação de professores autoritários e estudantes subservientes e “calados”, silenciosos e sem participação aparente no processo sistemático de desenvolvimento de sua capacidade criativa e na exploração com o conhecimento. Quando o professor cria várias formas de manifestação pedagógica, por meio de seu gesto, de sua fala e de suas ações, ele vive as atividades de trabalho pedagógico na prática. Essa prática que nos referimos agora revela uma concepção pedagógica centrada no professor no qual o conhecimento é concebido como algo dado pelo meio físico e social (empirismo) ao aluno.


A Figura nos parece mostrar a representação de uma prática na qual a relação do professor com o conhecimento parece ser mais estreita do que a do aluno.



·         Relação polarizada no aluno?

Outra representação da relação pedagógica que se observa no cotidiano da sala de aula tem sua polarização no estudante. Trata-se de uma pedagogia geradora muitas vezes de condutas autoritárias da parte do aluno. Quem é refém nessa relação é o professor. Subjacente a esta prática persiste a idéia de um conhecimento dado pela bagagem hereditária (apriorismo).










SABER MAIS

“Foram os teóricos da Escola Nova e da não-diretividade os primeiros a criticar práticas pedagógicas constituídas sobre uma base de homogeneidade; por conseguinte são aqueles que lançaram as bases daquilo que nós, hoje, chamamos pelo nome de diversidade. Todo período histórico fabrica seus nomes, seus termos, porque os sujeitos que os produzem numa dada época atribuem sentidos distintos ao que depois sujeitos de outras épocas denominarão de outra maneira”.

INFORME-SE MAIS

“A crítica das duas tendências do pensamento pedagógico referidas acima se voltava contra a defesa que estão se fazia da idéia e da prática pela qual o papel da Escola é de, como uma instituição difusora da instrução, transmitir os conhecimentos científicos acumulados pela Humanidade”.


BATISTA NETO, J. ;
SANTIAGO, E. Formação de professores e prática pedagógica. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2006 (p.
169).




A Figura nos mostra a representação de uma prática na qual a relação do sujeito (aluno) com o conhecimento parece ridicularizar a posição do professor em face da realidade da política educacional.


Snyders (1974) analisa o risco da pedagogia centrada no aluno ao mostrar os perigos das condutas autoritárias que podem ser praticadas em sala de aula, banalizando, inclusive, o professor.

Numa outra linha crítica, no caso de Celma (1979) observa-se uma advertência veemente ao denunciar o quanto é danoso o efeito das pedagogias não-diretivas na constituição da conduta do estudante em sua relação com o professor já que esse se sente como único possuidor do conhecimento, com sua experiência super valorizada em detrimento do saber e da experiência do professor.


·         Prática pedagógica calcada na interação professor e aluno?

Uma representação da sala de aula centrada na relação entre aluno e professor tende a romper com a rigidez da polarização das relações pedagógicas mencionadas anteriormente, dialetizando os pólos. Noutras palavras, nenhum dos pólos tem a hegemonia prévia e determinada: o professor traz sua bagagem de conhecimento e o aluno também tem a sua, embora que essas sejam diferenciadas ao entrar em relação. Neste espaço, nada pode ser definido previamente.



Se o seu olhar se volta para a dinâmica própria do processo de construção do conhecimento na visão piagetiana, os modelos de relações pedagógicas até aqui apresentados devem ser completamente negados. Podemos tirar também importantes lições com Vygotski (1896-1934) para explicitar esse modelo, o que veremos mais a frente. Todavia, como a negação de um modelo implica o resgate de qualidades de um e de outro, é preciso detalhar suas qualidades e seus defeitos.

Como superar esses antagonismos pedagógicos? O que podemos encontrar de positivo nesses modelos? Afinal, “é preciso deixar claro que essas concepções subjacentes aos modelos não são mutuamente excludentes” (CAMARA: 1998, p. 15).






a) No primeiro modelo de relação pedagógica, no qual o professor  é  o centro do processo, nota-se a relevância dada ao conteúdo sistematizado pelas várias ciências, geralmente, considerado o acervo cultural datado pela humanidade e a autoridade acadêmica do professor. Isso parece ter sido o ideal primordial perseguido pela escola por muitas décadas. Machado (1995) denominou figurativamente esta concepção usando o termo “baldista” que explicitaria o papel do aluno na relação com o professor. Caberia ao professor “encher” este “balde” (no caso a cabeça vazia do aluno) com novos conhecimentos, transmitindo da melhor forma possível o conhecimento, em geral na forma de definições, particularmente, em se tratando do ensino de Matemática. O papel do aluno seria apenas o de escutar o que o professor estivesse comunicando.




























































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SAIBA MAIS


Conhecimento prévio

“São os conhecimentos que já possuem sobre o conteúdo concreto que se propõe aprender, conhecimentos prévios que abrangem tanto conhecimentos e informações sobre o próprio conteúdo como conhecimento que, de maneira direta e indireta, estão relacionados ou podem relaionar-se com ele. Coll,C. E colagoradores”. O Construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática,1999. (p.60)

















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Figura da suposta cabeça “vazia” do aluno sendo preenchida pelo conhecimento do professor


b)       Do segundo modelo, pode-se recuperar a noção de experiência de vida, o saber construído até o atual momento histórico – também denominado conhecimento prévio (COLL, 1999) - e a capacidade de construir o conhecimento que a sala de aula tem por função docente ativar. O “ensino centrado no aluno” é derivado, pois, da teoria, também rogeriana, sobre personalidade e conduta (MIZUKAMI: 1986 p. 37-38). A abordagem de Rogers é, praticamente, “a antítese no ensino centrado no professor e no conteúdo” (MOREIRA, M.A.:1999, p.147).

c)       O ensino baseado no behaviorismo seria planejado passo a passo, de modo a obter os resultados desejados na prévia modelagem. Esse modelo é representativo da pedagogia do objetivo e da instrução programada que ainda hoje influencia os softwares educativos. Ao contrário da relação pedagógica focada no professor do ensino chamado tradicional, nesse o aluno é o centro da aprendizagem e o professor tem como papel favorecer a ação desse, evitando, porém, sempre que possível o aparecimento do erro já que o aluno estaria sempre numa pretensa condição de “sucesso”.


d)       Uma pedagogia centrada na relação recíproca entre aluno e professor, nega, por uma perspectiva, o saber atribuído unicamente ao professor e o autoritarismo daí decorrente; recusa também a pretensa ilusão de o professor ser o único fator a influir na aquisição do conhecimento pelo aluno e esquiva-se a valorizar a ideia da inutilidade dos conhecimentos



deste. Entretanto, não reconhecem legítimas ações autoritárias por parte do professor ou do aluno.

Da superação dessas polarizações projeta-se crescimento recíproco do professor e do aluno e uma relação pedagógica escolar em que a relação dos dois atores pedagógicos com o conhecimento pode ser funcionalmente diversa, mas nunca seria a anulação de um ou do outro. Esse modelo também passa a funcionar como um dos fatores favores ao sucesso do aprendiz.

·         A contribuição de Paulo Freire à crítica aos modelos de ensino.

A pedagogia contemporânea ainda dispõe das contribuições de Paulo Freire (1987) que em alguns aspectos vem somar com as idéias dos psicólogos advogados da construção do conhecimento pela via do diálogo entre os componentes do processo educacional. O diálogo é conceito-chave e prática essencial na concepção freireana:

[...] “para pôr o diálogo em prática, o educador não pode colocar-se na posição ingênua de quem se pretende detentor de todo o saber, deve, antes, colocar-se na posição humilde de quem sabe que não sabe tudo, reconhecendo que o analfabeto não é um homem perdido, fora da realidade, mas alguém que tem toda uma experiência de vida e por isso também é portador de um saber” (Paulo Freire, in Moacir Gadotti, Paulo Freire: Uma Biobibliográfica, 1996).

À guisa de conclusão dessa Introdução, apresentamos a seguir os principais tópicos de nossa aula. Primeiramente, vimos as características que definem o modo como os professores vêm organizando as atividades e  estratégias didáticas do trabalho pedagógico que realizam na escola. Os três tópicos que se seguirão a este certamente vão aprofundar o seu aprendizado resgatado nessa Introdução. No primeiro tópico, você vai refletir sobre as formas de manifestação da prática nos espaços pedagógicos onde o professor foi o grande ator pedagógico. No segundo, você vai entrar em contato com a fala, o gesto e o discurso da tendência pedagógica que colocou o aluno no pólo principal da relação pedagógica. O tópico terceiro evidencia as características da pedagogia que despolariza os autores da sala de aula, pondo-os na arena do diálogo, da interação e da construção ativa do conhecimento. Para concluir a aula, focaremos a relevância da formação do professor no horizonte das


Paulo Reglus Neves Freire 1921-1997


SAIBA MAIS

[...] “O diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. É parte de nosso progresso histórico do caminho para nos tomarmos seres humanos”.

FREIRE, P. A Educação na Cidade. SÃO Paulo: Cortez, 1987 (p. 128).

transformações pedagógicas.

I – EMPIRISMO


·         Como podemos reconhecer as características da concepção fundada na visão empírica (meio) do conhecimento? Observando os gestos, as práticas didáticas e falas do professor?

Para começar nossa reflexão, vejamos algumas definições: “Para os empíricos o conhecimento era adquirido pelos sentidos do homem. “Não há nenhuma concepção no espírito do homem que não tenha sigo originada (...) nos órgãos dos sentidos” (BECKER, 1993, p. 12).

Os empíricos acreditam que o verdadeiro conhecimento do mundo é obtido através dos sentidos e, não, através da razão. Esses filósofos argumentavam que temos idéias apenas porque temos percepções. Todo conhecimento é baseado na experiência (BECKER, 1993, p. 12).

Dessas definições que acabamos de ler podemos inferir que o conhecimento se daria pela força dos sentidos do homem: cheiro, audição, sabor, visão, etc. mediante um processo perceptivo. O conhecimento acerca de uma fruta seria adquirido quando a saborear-se, não pensando sobre as características da fruta. Seria assim com todos os elementos da natureza. Todos os objetos (conhecimento) seriam conhecidos pela experiência sensorial que o homem teria com esse objeto físico ou social.

O paradigma dessa filosofia pode ser resumido numa relação que se representa graficamente com a direção da seta da direita parta a esquerda demonstra o aprendizado como uma espécie de condicionamento no qual as ações possíveis do sujeito se dariam sob as condições do meio ambiente.

S (sujeito/aprendiz)           O (objetos do mundo físico e social)

Noutras palavras, o mundo do objeto (conhecimento) seria o único determinante para o sujeito. O nome do psicólogo Skinner (1904-1990) é historicamente associado a essa visão extrema do aprendizado denominado neobehaviorismo, que estabelece o impasse total sobre os processos de conceitualização e de










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representação da criança (VERGNAUD, 2003). O neobehaviorismo na visão de Skinner foi compartilhado por diversos psicólogos, sobretudo anglo-saxões, até a década de 70, quando o movimento cognitivista contrariou as suas teses.

Atualmente, não existem mais tantos psicólogos da educação seguidores do behaviorismo, mais ele deixou marcas profundas nas estruturas da psicologia e nas práticas de alguns professores.

·         Que sentido tem a concepção empírica do conhecimento no ensino?

A literatura faz algumas inferências a respeito do conceito de aprendiz inspirado na visão empírica com reflexo no modelo de ensino. O professor planejaria sua prática pedagógica em detalhes com ênfase no controle do seu comportamento. Ainda que considerasse importantes as diferenças entre os alunos de uma mesma classe, o behaviorismo inspira ações pedagógicas baseada na previsibilidade das reações dos alunos aos estímulos e reforços aplicados pelo professor. Os objetivos de ensino bem elaborados buscam resultados comportamentais bem definidos antecipadamente, para que seja possível  projetar no aprendiz uma conduta ou um comportamento projetado pelo professor. Skinner desenvolveu o que denominou “maquina de aprendizagem”, ou seja, a organização de um material didático de base tecnológica de maneira que o aluno pudesse estudar sozinho, recebendo estímulos à medida que avançava no conhecimento. Grande parte dos estímulos consistia na satisfação em dar respostas certas aos exercícios propostos. Essa maquina não prosperou, mas acabaram influenciando o ensino sistemático denominado Instrução Programada que tinha os mesmos objetivos e procedimentos. O aprendiz aprenderia através de informações que lhe seriam transmitidas, seria um receptor passivo até que repleto de informações necessárias poderia repeti-las a outros que delas necessitasse. Quando, porventura, o erro fica evidente, este  é atribuída a uma falta praticada pelo aluno que “não prestou a devida atenção ao conteúdo aos passos dados que deveriam ser refeitos. Essas explicações, quando submetidas ao cotidiano da sala de aula não resiste à força do contraditório emanado desse espaço.











SAIBA MAIS


Tecnologia educacional, engenharia de instrução, enfoque sistêmico e outras terminologias desse tipo, hoje em desuso, refletem a grande influência do behaviorismo de Skinner”.
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MOREIRA, M.A. São Paulo: E.P.U., 1999. (p.62)



Figura de uma maquina de estudar projetada por Skinner

A avaliação é realizada visando à exatidão da reprodução do conteúdo comunicado em sala de aula. Mede-se a quantidade de informações que o aluno sabe ou não reproduzir por meio de instrumentos como provas, exames, exposições orais e exercícios que expressem a exatidão da aprendizagem do aluno ao final do ano escolar. Avaliação que hoje denominamos somativa (que avalia todos os conteúdos acumulado num período escolar).

Becker (1994) recolhe ainda alguma fala de professores (educação infantil, educação básica e ensino superior) acerca do conhecimento que eles trabalham em classe nos remetendo à concepção filosófica do conhecimento na visão empírica, explicada por ele.

Ao responder sobre “o que é o conhecimento”, o professor responde ao nível do senso comum, ou seja, como uma pessoa que só utiliza sua inteligência para resolver problemas do cotidiano. Vejamos alguns exemplos: “O conhecimento é:

-    “Algo que entra pelos sentidos/algo que vem de fora da pessoa, portanto, se instala no indivíduo independente de sua vontade”.

Em se tratando da prática didática, eles dizem:

-   “É sentido por esse indivíduo como uma vivência”.
-   “O conhecimento se dá sempre pelos sentidos, de uma ou outra maneira”.
-    “[...] se dá à medida que as coisas vão aparecendo e sendo introduzidas por nós nas crianças”.
-   “O conhecimento se pela reação da pessoa através de alguns estímulos. A
partir de situações estimulantes, na medida em que a pessoa é estimulada,





































Professor de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
– UFRGS. Doutor em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo.

perguntada, incitada, questionada, ela é até obrigada a dar uma resposta”.
- “O aluno é como a anilina no papel em branco que a gente tinge: passa para o papel e o aluno elabora, coloca com as próprias palavras”.

Esse modo de conceber o conhecimento e entender o aparecimento do conhecimento, isto é, a gênese do conhecimento num sujeito é chamada empirismo.

Becker (1994) diz que empiristas são todos aqueles que pensam que o conhecimento acontece porque nós vemos, ouvimos, tateamos, enfim sentimos. Donde se conclui que o conhecimento é, então, sensível no começo, abstrato depois.

Na Psicologia, é a teoria da associação entre estimulo e resposta que constitui a explicação própria do empirismo. E a relação pedagógica centrada no professor tem suporte, do ponto de vista psicológico, no associacionismo em geral (teorias behaviorista antiga) de Watson (1978-1958) e no neobehaviorismo de Skinner (1904-1990), este último muito destacado no ensino. Na perspectiva filosófica a base da relação é o empirismo, como acabamos de estudar.

II – O APRIORISMO E A PSICOLOGIA DA FORMA

Os estudiosos do apriorismo defendem a ideia de que o conhecimento é doado ao homem na bagagem hereditária. Receberíamos o conhecimento de forma inata que vai se ampliando na medida em que se vai amadurecendo e crescendo em idade. Por exemplo, as possibilidades de uma criança vão se tornando cada vez mais ampla porque o seu amadurecimento vai se dando também, e, quando mais amadurece mais se cresce.

Em que aspecto o apriorismo se opõe ao empirismo, que acabamos de estudar?

O apriorismo ao enfatizar o inatismo, ele fortalece o sujeito em detrimento da experiência que é a cereja do bolo do empirismo. Logo, o pólo do sujeito numa relação epistemológica é super valorizada e absoluta e a experiência relativizada. E toda a atividade de busca do conhecimento é exclusiva do sujeito sem




John B. Watson (1878-1958)

Psicologo behaviorista





Skinner Psicologo Neobehaviorista
(1904-1990)

nenhuma influência ou determinação do ambiente. Atualmente, essa concepção de conhecimento não tem seguidores, sendo importante estudá-la como uma contribuição histórica, nem ao nível teórico da pesquisa psicológica, nem como expressão de atividades pedagógicas.

Na verdade, tanto o empirismo como o apriorismo têm a idéia de um universo de conhecimento dado, seja pelo meio (empirismo), seja pela bagagem hereditária (apriorismo). Traduz-se a relação epistemológica da bagagem inata com a seguinte representação gráfica (direção da seta) demonstrando a ação do sujeito por força de sua bagagem hereditária

S (sujeito)     Objeto (conhecimento).


·         Que sentido teria a concepção apriorística do conhecimento para o ensino?

A concepção de conhecimento que acredita que se conhece porque já se traz algo em si, ou inato ou programado na bagagem hereditária, para amadurecer mais tarde, em etapas previstas, chama-se apriorismo. É comum ouvirmos falas com as expressões seguintes: “Aquele dá para Matemática” e “Fulano tem do dom da música”, justificando, assim, um dom que a pessoa já traria ao nascer.

Os aprioristas são todos aqueles indivíduos que pensam que o conhecimento acontece em cada individuo porque este já traz, em seu sistema nervoso, o programa pronto. O mundo das coisas ou dos objetos tem função apenas subsidiaria, noutras palavras, abastece, com conteúdo, as formas (GESTALT) existentes de antemão.

Mas, como assinala Becker (1994), o apriorismo se opõe ao empirismo, é verdade, mas o faz apenas neste ponto da polarização, porque também ele no final das contas propõe a mesma visão passiva do conhecimento por parte do sujeito, pois, de uma ou de outra maneira, suas condições prévias já estão todas determinadas (pelo meio ou pela bagagem hereditária), independente da atividade do indivíduo, que para Piaget é fundamental ao conhecimento.




Nos achados de Becker (1995) tem-se, contudo alguns exemplos de falas de professores (educação infantil, educação básica e ensino superior) acerca do conhecimento que nos remete à concepção filosófica do conhecimento baseada no inatismo. Vejamos alguns:

-   “Ninguém pode transmitir. É o aluno que aprende”.
-     “AH! Isso é difícil, porque acho que ninguém pode ensinar; pode tentar transmitir, pode tentar mostrar [...] Acho que a pessoa aprende praticamente por si” [...]
-     “O conhecimento para a criança [...] é intuitivo, não se ensina, não se transmite”.
-    “Ele tem aquela ânsia de conhecimento e alguma coisa que a gente tenta despertar no aluno. Ele tem aquela ânsia de conhecer”.

O principio do fundamento psicológico dado a essa prática vem de Carl Rogers (MOREIRA, M. A.1999), psicólogo este que considerava o professor um facilitador da aprendizagem, que não transmite um conteúdo ao aluno ou cria condições ambientais para que a aprendizagem ocorra, pois o conteúdo advém das próprias experiências deste, reagindo assim ao modelo pedagógico anterior centrado no professor.

Resumindo...

Tentamos fazer até aqui um estudo acerca do conhecimento humano visto pela concepção filosófica empírica e pela concepção filosófica entendida como apriorismo. Assinalamos, apenas, os reflexos dessas filosofias nas ciências psicológicas, como é caso do behaviorismo de Watson (1878-1958) e do neobehaviorismo Skinner (1904-1990) quando se trata do empirismo, e de Carl Rogers (MOREIRA, M. A.1999) quando falamos de reflexos no ensino do valor da experiência do aluno.
Como você pode verificar as concepções acerca do conhecimento até aqui trabalhadas continua, de alguma forma, influenciando a prática pedagógica na maioria das nossas escolas. Não é difícil encontrar, professor utilizando um discurso pedagógico ora fundamentado nas correntes filosóficas mencionadas,



como ficou evidente nas falas de professores recolhidas por Becker (1994) e nas descrições de algumas práticas.



III - O CONHECIMENTO É UMA CONSTRUÇÃO


Em Piaget (1979), a origem do conhecimento não deve ser fundada nem no sujeito (aprendiz) nem no objeto (conhecimento), mas no fenômeno da assimilação primordial do recém-nascido humano.


A assimilação é o resultado da organização, isto é, o bebê mama, pela primeira vez, por força do reflexo hereditário de sucção. Ao mamar, porém, esta organização reflexa, por força da assimilação de algo exterior a ela, é forçada a modificar-se para dar conta das novidades que esta exterioridade impõe: se o bico do seio é maior ou menor, se o leite sai por força de uma mamada mais fraca ou mais forte, se o leite sai imediatamente ou se demora a sair. A assimilação funciona como um desafio sobre a acomodação a qual faz originar novas formas de organização. Em suma, a assimilação sob o ponto de vista psicológico é um fato primordial, pois em todos os domínios ela se apresenta como a origem e o resultado da organização (BECKER, 1993).

As verdadeiras formas ou estruturas de conhecimento não são dadas na bagagem hereditária; também não é resultado de um decalque das organizações dos objetos ou do meio físico ou social, por força da pressão deste meio; mas são resultado de um processo de interação radical entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto, (inter)ação ativada pela ação do sujeito.

“As relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa interação radical, de modo tal que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pela atividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado; e é desse estado que derivam dois movimentos complementares; um de incorporação das coisas ao sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas” (PIAGET, 1978, p. 386).

ATENÇÃO

Jean Piaget




Psicólogo Cognitivista

1896-1980
O modelo epistemológico que expressa esta relação é a seguinte representação gráfica:



S (sujeito)               Objeto (conhecimento).

A direção das setas acima indica uma interação, de modo que a tomada de consciência não começa pelo conhecimento dos objetos, nem pela atividade do sujeito, mas de um estado que emana de dois movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas.

Observando a síntese do paradigma piagetiano da apropriação do conhecimento inferimos que o sujeito é um aprendiz ativo na sua essência, ou seja, falar de sujeito é falar em atividade, fundamentalmente assimiladora. O sujeito  epistêmico em Piaget só e é na medida em que ele se constitui como tal, constituindo-se pela assimilação e pela acomodação combinadas.

Afasta-se radicalmente a possibilidade de um sujeito passivo, como defende a hipótese APRIOPRÍSTICA. Noutras palavras, “as estruturas não estão pré- formadas dentro do sujeito, mas constroem-se á medida das necessidades e das situações’ (PIAGET: 1978, p. 387).

Em relação à hipótese EMPIRISTA a assimilação “é, ao mesmo tempo, construção de estruturas e incorporação das coisas a essas estruturas... experienciais jamais é recepção passiva: é acomodação ativa, correlativa á assimilação (PIAGET, 1978, 387). O sujeito em geral e, por consequência, o sujeito epistêmico, é sujeito na medida em que ele se faz, na medida em que ele se constitui como um conjunto de relações, e não na medida em que é dado. “A inteligência é construção de relações e não apenas identificação” (PIAGET, p. 388).

As obras marcantes de Piaget (1896-1980) no século XX tiveram grande repercussão neste modelo, assim como as de Vygotski (1896-1934), Wallon (1879-1962) e Bruner (*1915). Suas fundações epistemológicas são constituídas pelo interacionismo e construtivismo até hoje.

Vergnaud (2003) seleciona três questões científicas da psicologia como teses contemporâneas. Vamos examinar cada uma delas.
1    Por que o movimento de confronto com a realidade e de estruturação
interna os conhecimentos aumentam?



2.   Qual é o papel do mediador adulto? Qual é o papel do confronto? Qual é o papel da cooperação?
3    Que relação mantém a linguagem e o pensamento?


1. Como aumenta o conhecimento? Questões!

Existem três idéias que respondem a resposta essa questão. Uma delas se foca na atividade do sujeito que aprende. A segunda se prende às situações favoráveis ao aprendizado. A terceira idéia está vinculada a mediação praticada por aprendizes entre si e esses e o adulto que usam formas lingüísticas simbólicas na comunicação e na representação do conhecimento. Por fim. Há uma relação entre a formação do conhecimento e a prática do professor.

·         A atividade do sujeito e as situações

Foi principalmente Piaget (1979) que mostrou mediante pesquisas que a criança não era um receptáculo que absorvia o que se comunicava pela demonstração e pela imitação, ou por meio do dizer e explicar. Outros pedagogos e psicólogo também se atentaram a essa idéia: Vygotski (1896-1934), Wallon (1879-1962), Claparède (1873-1940) e Bruner (* 1915).

A importância maior dado à ação por Piaget (1979) provavelmente (VERGNAUD. 2003) o fez subestimar as funções da percepção, da linguagem, da ajuda dos outros. Ele, na época, quis, porém demonstrar ao empirismo a intensa atividade da criança, que ainda bebê, consegue explorar e explorar espontaneamente o seu meio ambiente.

Essa atividade organizada que o sujeito desenvolve diante das variadas situações é denominado por esquema por Piaget, a ponto de se poder dizer que a história pessoal do sujeito ser descrita, de algum ponto de vista, como a sequência das situações encontradas e progressivamente dominadas por ele.

Os primeiros esquemas do bebê são perceptivo-gestuais, noutras palavras, essa é a maneira que o bebê organiza as informações do ambiente e age intencionalmente sobre ele. Esses esquemas são dependentes das emoções e



















SAIBA MAIS





Henry Wallon

“As crianças respondem às impressões que as coisas lhe causam com gestos dirigidos a elas”





Jerome Bruner

Psicólogo cognitivista que estudou a interação entre mãe
e bebê.

dos instintos. Os pais e o ambiente do entorno material e social do bebê, solicitam esquemas que mobilizam o seu interesse e a sua curiosidade.

Vergnaud (2003, p. 66) define, estão, esquema como uma totalidade dinâmica funcional, isto é, uma organização invariante da conduta em face uma classe de situação. Essa organização que o sujeito é comporta de objetivos e expectativas, regras de ação, tomada de informações e de controle e, é estruturada pelo conhecimento adequado para selecionar a informação e processá-la.

Essa idéia da ação ativa do sujeito diante das situações provenientes do ambiente põe aos pais e professores o desafio de oferecer um leque de  situações que despertem o interesse e a motivação da criança em seu aprendizado. Ele pode e devem oferecer situações nos quais problemas são colocados para serem resolvidos e que vão possibilitar o desenvolvimento de competências dos aprendizes.

É preciso, pois, entender que a maior parte dos conhecimentos são competências que estão tanto no plano da ação, como no plano da conceitualização.
Vamos analisar, agora, um exemplo, do esquema de contagem dos conjuntos discretos dado por Vergmaud (2003, p. 67).
A criança aprende habitualmente com 3 ou 4 anos as primeiras palavras da cantiga numérica de seleção, nos jogos infantis: um, dois, três, quatro... Para contar uma pequena coleção, ela precisa não somente conhecer a fórmula cantada, mas também estabelecer, ao longo do processo de contagem, uma sequência de bijeções (função biunívoca) entre os objetos que devem ser contados, os gestos do dedo e da mãe, os gestos do olhar e as palavras-números pronunciadas. Além disso, é preciso que ela considere a última palavra-número utilizada ao mesmo tempo como marca ordinal associada ao último elemento do conjunto, e como o cardinal de todo o conjunto”.




Figura mostrando o uso dos dedos e das mãos na contagem




A partir do foi anteriormente exposto, podemos ver que os “dois princípios (bijeção e de cardinalização) são princípios matemáticos cuja manifestação é facilmente observada na organização perceptivo-gestual do esquema (VERGNAUD, 2003).

2. A mediação do adulto e o papel do aluno. Questões!

Vygotski (1985) se antecipou aos demais estudiosos da psicologia cognitiva a respeito da interação entre o adulto (professor ou pais) durante a prática pedagógica intencional ou não, ao definir o papel do educador em face da aprendizagem da criança.

O conceito de “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP) é, por definição, o que a criança é capaz de fazer com a ajuda dos outros e que não poderia fazer sozinha. A formulação desse conceito (VERGNAUD: 2003, p. 68) levou Vygotski a “distinguir os aprendizados que resultam principalmente da experiência da criança em seu meio ambiente cotidiano (lar, por exemplo) dos que resultam de uma ação intencional do adulto no lar e da instituição escolar”.

A relação entre o professor e o aluno, entre a mãe e o bebê (BRUNER: 1983) é assimétrica. Já se observou também situações de interação de maior simetria. Os estudos sobre trabalho em grupo e sobre o efeito de aprendizado produzido pela colaboração ou pelo desacordo entre os pares tem se mostrado bastante promissores. Um deles estuda o conflito sócio-cognitivo, ou seja, o desacordo entre crianças para ser eficaz deve intervir entre sujeitos com competências desiguais, mas não em demasia (DOISE, MUGNY:1981; PERRET-CLERMONT: 1979). Já há, entretanto, um consenso entre os pesquisadores: é importante formar duplas ou grupos de alunos numa classe, mais ou menos do mesmo nível a respeito da solução de um problema ou de um julgamento de conveniência ou de verdade onde o professor possa intervir.

Nesse caso, quando aparece o conflito sócio-cognitivo, esse é rapidamente superado, algumas vezes por concordância com as posições daquele que se adiantou agir ou de dar melhores respostas aos problemas.







SAIBA MAIS

Bijeção

Verbete: Mat. Aplicação a que todo elemento de um conjunto inicial, associa um e não mais que um elemento do conjunto final. Função biunívoca. Função bijetora.

Dicionário Houaiss de LINGUA Portuguesa. P. 452




Figura na qual um grupo de crianças estão voltadas para uma mesma situação


Em suma, a mediação do adulto (pais ou professor) é se suma relevância para garantir que nos processos de competição e cooperação espontâneos que surgem em classe, nenhuma criança fique sem participar ativamente no grupo ou na dupla.




3.Linguagem e ao Pensamento. Questões!

Os significantes lingüísticos, e de maneira geral as formas simbólicas utilizadas no ensino (gráfico, diagramas, esquemas, quadro, álgebra) modificam o nível dos conhecimentos formados na ação em situação. Além disso, as falas dos adultos  e das outras pessoas fornecem à criança inúmeras ocasiões de questionamento, de tal modo que a questão da linguagem e de suas relações com o pensamento é necessariamente central para a psicologia da educação e para a psicologia cognitiva.

É preciso analisar (VERGNAUD, 2003) as funções da linguagem na atividade do mediador adulto nas relações de interação nas situações  de aprendizagem com a crianças.

Observando as práticas pedagógicas de professores, constata-se que os professores falam em primeiro lugar para dar ordens aos alunos, levá-los a uma



Psicólogo Cognitivista




LEV VYGOTSKI

atividade, esclarecer o melhor possível o conteúdo de sua responsabilidade.

Quando os alunos são introduzidos assim numa situação de aprendizagem, os professores intervêm também para lhes chamar atenção para determinada informação ou determinado objeto que diz respeito a eles. Às vezes, ainda, recordam um conhecimento útil, ou então enunciam perguntas mais precisas, cuja função é ajudar os alunos a condensar sua pesquisa a respeito de um objeto, uma ação, uma questão. Enfim, acompanham a atividade dos alunos por meio de comentários destinados a favorecer seu raciocínio e ajudá-los a estabelecer, planejar e controlar seu comportamento.

Essa rápida descrição tende a mostrar a que ponto a atividade lingüística do professor reflete a organização dos esquemas e tem por fim ajudar os alunos a formar, em situação, esquemas novos.

Provavelmente, diz Vergnaud (2003, p. 71) “o mais importante na análise das relações entre linguagem e pensamento é procurar a que componentes dos esquemas pode enviar a estrutura fundamental predicativa da linguagem. Essa estrutura predicativa é, em particular, a dos enunciados e dos textos científicos: são designados ou evocados objetos dos quais se afirmam certas propriedades ou determinadas relações com outros objetos, sob certas condições”.

A observação dos alunos que estão resolvendo um problema novo para eles confirma essa análise de que a linguagem que acompanha o pensamento contribui para a seleção e a transformação da informação, para a regulação e o planejamento da ação, para o esclarecimento e a lembrança do objetivo a atingir.

No exemplo a seguir, analisaremos um caso no qual a interação entre os alunos e o professor permite que dois sentidos da divisão sejam relacionados e (ETCHEMENDY; SADOVSKY; TARASOW,: 2011, p.22) e observamos a função da linguagem do adulto na transmissão do conhecimento e no desenvolvimento cognitivo de um grupo de estudantes que tiveram uma história escolar  perturbada que acabou por incluí-los nos segundo ciclo com idade bastante defasada em relação à habitual.



Tais interações ocorreram durante aulas de Matemática realizadas como parte do Programa de Aceleração da Cidade de Buenos Aires, em uma sala de 6º e 7º ano. Na primeira aula, os alunos foram posto diante do seguinte problema: “Joaquim recebeu 370 pesos. Se ele gasta 12 pesos em comida por dia, para quantos dias o dinheiro dá? Quanto dinheiro sobra para ele comer no dia seguinte?” Anteriormente, os estudantes resolveram problemas de repartir e distribuir. Esta é a primeira vez que são confrontados com um problema de divisão em que um sentido diferente é mobilizado.

A aula segue a seguinte sequência didática: cada aluno deve produzir uma resolução para o problema; depois, deve reunir-se em grupo e escolher entre todos apenas uma solução para depois expô-la ao resto da turma. Assim, tendo de escolher somente uma das produções, os alunos se põe a discutir.

Vamos, agora, reproduzir uma parte do debate coletivo no qual a professora tem a intenção de contribuir para as crianças criarem relações entre o problema que acabaram de resolver e os problemas de repartir. Vamos aos diálogos!

1-       Professora: Bem, vamos rever o que nós discutimos há pouco. Sabem o que eu estava pensando? Notaram que vimos que é possível usar a subtração para resolver o problema? Notaram que todos, nos seus cartazes, usaram a divisão para resolver o problema? Leo disse ao grupo que não poderia ser uma divisão porque não é um problema de repartir. Ele está certo ou errado?
2-       Pedro: Não é assim...
3-       Cristian: Não, não está certo... Não é repartir. Como posso explicar? Não é como repartir, é como... É um problema de gastar
4-       Professora: Então, se é de gastar, é um problema de subtração, como disse Leo?
5-       Pedro: Pode ser de subtrair, mas...
6-       David: Quando o problema é de divisão, você percebe porque a pergunta diz que você tem de repartir.
7-       Pedro: Sim, mas esse é como você repartisse o dinheiro nos dias.
8-       Walter: Esse é o dinheiro que vai embora assim... (faz um gesto indicando a repetição).



9- David: São 12 que vão a cada dia...


10- Pedro: É como você ter dinheiro e dar para as crianças.

11- David: É como os dias fossem crianças e você tem de dar 12 a cada

uma.

12- Cristian: Tenho de saber se tenho 370 e tenho de dar 12 crianças.

13- Karen: Não, eu tenho de dar a 30 crianças, 12 balas...

14- Pedro: Não sabemos que são 30. Nós temos que descobrir para quantas
SABER MAIS
crianças.

15-    Professora: Então, sei que tenho de dar 12 a cada um e não sei para quantos o que tenho é suficiente. O que não sei é quantos “dozes” posso tirar. Sabem o que a turma do outro 6º/7º disse?
16-    Vários: Não, o quê?
“Entendemos que um procedimento colocado em jogo pelos estudantes – correto ou não – é a expressão de um conjunto de relações que eles estabelecem”.
17- Professora: Que precisavam ver quantos 12 cabiam em 370.
(ETCHEMENDY; SADOVSKY; TARASOW,: 2011, p.22)
18- David: Sim, é assim.

19- Cristian: É uma conta de multiplicar 30 vezes 12. São 30 os que cabem.

20- Professora: Então, é um problema que você precisa descobrir quantas

vezes cabe o 12. É correto dizer isso?

21- Pedro: Nós fizemos o mesmo? Não, professora?

22- Cristian: Se você faz 12,12,12,12, faz direto 12x20 é 240 e 12x30 e dá

360 e então você para...

23- Professora: Então, é um problema no qual temos que formar grupinhos

de 12...

24- Leo: Formar grupos... Então é uma divisão!


·         Análise dos diálogos:


(1) A professora mostra uma possível contradição entre as idéias.

Para responder a David (6) Pedro (7) compara problemas trabalhados a um

de repartir e Walter (8) colabora com gesto ilustrando a idéia. David (11)

transforma o problema de “gastar em cada dia” em um de “distribuir dineiro

entre crianças”. A professora (15) e (17) propôs uma formulação mais geral

que abarca ambas as situações e já está descontextualizada, deixando de

falar sobre crianças, dias e dinheiros e propõe relações entre números.

Cristian (22) retoma a intervenção (20) da professora e, com esforço atribui

um significado, explicitando a relação entre multiplicação e divisão. Enfim,


Leo (24), ao reconhecer a divisão na operação de construir grupos com quantidade iguais de elementos, formula o modelo abstrato e geral que compreende os dois tipos de problema.

Pelo que vimos, podemos concordar com Vergnaud (2003, p.71) que afirma que não se pode confundir pensamento e linguagem, ainda que a linguagem desempenhe um papel muito importante na conceitualização e no funcionamento do pensamento em situação.


Reflexos da Concepção Construtivista do Conhecimento no Ensino

As idéias construtivistas embora que, por muitos, interpretadas como uma ação escolar, exclusivamente do sujeito, vem conseguindo demonstrar que o aluno é colocado na situação de alguém que precisa resolver um certo problema mas  que não possui a ferramenta necessária ou mais adequada para fazê-la. Nessa situação, resta ao sujeito construir uma ferramenta que lhe permita a resolução de seu problema com o concurso do professor e de seus colegas.

A base dessa formulação é calcada na chave piagetina que afirma ser através da “ação que se aprende”, ou seja, a apropriação do conhecimento está associada ao processo de inter(ação) entre o sujeito (aluno) e o objeto (conhecimento, cultura, valores sociais, etc.). Em Matemática, Câmara (1998) exemplifica dizendo que o aluno aprende pela resolução de problemas e, não escutando o professor relatar (comunicar na visão empírica) esse “objeto” em sua aula. Desta forma, o aprendiz vai correr atrás para resolver sua questão, atuando ativamente no processo de apropriação do conhecimento.

Outra base que se reflete nesse modelo de ensino é a do desequilíbrio que passa o aprendiz diante de um problema a resolver. A fase do desequilíbrio corresponde ao momento em que o aluno consegue perceber a insuficiência de suas ferramentas para resolver um certo problema e por em xeque o que conhecia ao buscar novas possibilidades de reorganização de seus esquemas de conhecimento para a resolução exitosa do problema.



A terceira pilastra do ensino de base construtivista tem apoio na própria critica que faz à visão empírica do conhecimento que coloca o aluno na cena didática com uma suposta cabeça vazia, ao argumentar a favor da idéia de que o aprendiz já inicia á sua aprendizagem com uma bagagem, pequena que seja de representação da ferramenta que vai precisar desenvolver para resolver seu problema. Bachelard afirma (1989): “em qualquer idade, o espírito não é jamais virgem, tábua lisa ou cera sem impressão”. Noutras palavras, qualquer sujeito tem uma representação, pequena ou insipiente que seja, do conhecimento que se vê defrontar-se.

Finalmente, a última base do ensino tem no horizonte o paradigma a relação recíproca entre sujeito (aprendiz) e o objeto (conhecimento), ou seja, as interações sociais entre os alunos podem facilitar a aprendizagem, particularmente, se for realizada em grupos entre aprendizes, organizados em sala de aula, conforme a orientação do professor que conhece suas dificuldades e experiências com o conhecimento.

Nesse modelo a aprendizagem é a passagem de uma antiga concepção a uma concepção nova de um problema, após a superação de um obstáculo no nível do conhecimento que impede que se alcance a nova formulação da questão em debate. A busca do novo conhecimento fica na ação do aprendiz que se ver diante de um conflito sócio-cognitivo.

Noutras palavras, neste ensino a estratégia é a seguinte: coloca-se o aluno em face de um obstáculo (pergunta, questão, problema, desafio etc.), gerando o aparecimento de um conflito interno ao sujeito. Esse conflito gerado pelo conhecimento que detém (insuficiente para sanar o conflito) para dar conta da situação será gerado por uma contradição entre uma antecipação do aluno, baseada em suas antigas concepções e a situação que lhe é apresentada e que coloca em evidencia a insuficiência dessa antiga concepção. Esse conflito pode ser gerado pela própria situação de aprendizagem (meio) ou pelo debate entre os participantes da situação (CAMARA, 1998). Enfim uma situação problema.

Becker (1994) apresenta também alguns depoimentos dos professores que se aproximam dessa concepção. Vejamos os exemplos:












.


















Gérard Vergnaud, 76 anos, francês, fez tese de doutorado com Jena Piaget.

Psicólogo Cognitivista e Matemático


-     “A criança adquire conhecimento acho que olhando o mundo, o ambiente. Sofrendo influência das coisas ao seu redor: começa-se a estabelecer relações com este mundo”.

-    “A criança já traz parte do conhecimento. Adquire outra parte com o meio e constrói a partir disto”.

-   “O bicho eu adestro, é estímulo-resposta (referindo-se à aprendizagem animal) . A criança envolve inteligência, pensamento divergente, ela questiona, vai além”.

-    “Como professora, eu procuro interferir o mínimo possível, para que a criança toque, mexa, experimente e, para isso, o professor precisa ter um pouco de sensibilidade para perceber se o aluno está ou não a fim de algo”.

-     “Olha, o conhecimento é o domínio sobre o saber fazer, no sentido da especificidade do curso que eu trabalho (Arquitetura). Noutro sentido, vejo como aquilo que tu produziste sobre esse saber”.

IV. FORMAÇÃO DO PROFESSOR

Na última década do século passado, o tema da formação do professor foi uma estratégia básica das políticas de formação de professores no Brasil. A formação é tomada como um instrumento para por em prática as mudanças planejadas pelos órgãos institucionais educacionais (FREITAS, 2005). Mesmo que a arquitetura não fosse mais colocar o professor dentro de uma armadura para afastá-lo da idéia do conhecimento como algo externo ao sujeito ou como o conhecimento dado (ambiente ou herança) muitas práticas formativas passaram a trabalhar com outro paradigma do conhecimento que é o construtivismo em Piaget (1979). Algumas delas, porém, na ânsia de responder aos objetivos dos sistemas de ensino nos diversos níveis continuaram a praticar a formação do professor, vendo-o, como uma tabula rasa, que precisava esquecer tudo que aprendeu ou jogar sua bagagem para fora da janela escolar.

Ao concluirmos o estudo sobre o construtivismo, é preciso que se diga que “uma



formação com possibilidade de incidir sobre a trajetória de vida do professor e, naturalmente, de sua docência, deve ser considerada como um projeto que visa reduzir a imagem do que um indivíduo deseja ser (identidade percebida) e o que é (identidade herdada, o que separa seu ser do seu projeto” (FREITAS, 2005, p. 46).

IV - Conclusão geral

Em entrevista recente, Becker resumiu a importância das idéias de Piaget para a nossa contemporaneidade.

“O grande desafio do século XXI, pelo menos do início deste século, é o de transformar o ensino na medida do processo de aprendizagem, e esta na medida do processo de desenvolvimento do conhecimento humano. A atividade da escola deve transformar-se a partir do princípio de que o aluno é um centro de atividade, e não um receptáculo vazio a ser preenchido de conteúdos, freqüentemente sem sentido. Simplificando, a escola precisa transforma-se cada vez mais em laboratório, e ser cada vez menos auditório. Os agentes dessa transformação são, em primeiríssimo lugar, os professores. Isso demanda uma formação docente de grande envergadura. O professor precisa aprender a ensinar pela atividade do aluno. O aluno que não age sobre um conteúdo qualquer, não consegue aprender esse conteúdo, muito menos transformar sua capacidade de aprendizagem, ampliando-a. Isto é, uma escola ativa não só ajuda o aluno a aprender, mas a se desenvolver, isto é, a aumentar sua capacidade de aprender; ou, como lembra Piaget, a aprender a aprender. Aliás, Piaget tem muito a dizer para esse processo de formação docente”. (Fonte: http://www.unisinos.br/ihuonline).


Atividades:

1)       Analise, por escrito, a seguinte afirmação de Skinner (1995).

Skinner não se negou a levar suas teses sobre planejamento da cultura e da educação às últimas conseqüências, discutindo-as diante da tradição pensamento ocidental que valoriza a liberdade da pessoa como bem supremo
(CUNHA, M.V. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008. (p.55-



56)

Resposta: Como base nas abordagens de Piaget, Vygotski e Freire, pode se verificar que a mente do aprendiz não é “vazia”, não tem esquemas mentais em desenvolvimento com o ambiente, mas dependa tão somente dos estímulos do ambiente. Para o psicólogo neobehaviorista Skinner, a educação planejada passo a passo freia uma construção subjetiva e singular que ele renegava.


2)  Responda: é possível superar essas idéias e práticas ainda existentes  em algumas escolas? Que ferramenta seria necessária para contribuir para o professor, a escola e sociedade passarem por um recomeço?

Resposta: Com base nas idéias de Piaget, Vygotski, Vergnaud e Freire, creio que o professor em formação pode ver o mundo escolar por outra janela, olhando o aprendiz como um sujeito ser ativo, com esquemas mentais que se organizam em interação com os desafios do ambiente físico, social e cultural compartilhando, em palavras, com seus pares e com os adultos de seu entorno a construção de seu conhecimento.

REFERÊNCIAS

ALMOULOUD, S. A. Fundamentos da Didática da Matemática. Curitiba: Ed. UFPR, 2007.

BACHELAT, G. A formation de l´esprit cientifique. Paris: Vrim. 1989.

BRASIL.      Secretaria      de      Educação      Fundamental.      PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS. MATEMATICA. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BECKER, F. A Epistemologia do Professor. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.

                   O que é o construtivismo. Série Ideias. N.20. São Paulo: FDE, 1994. P. 87-93.
                   Educação e Construção do Conhecimento. Porto Alegre: ARTMED, 2001.
BROUSSEAU, G. Introdução ao estudo das situações didáticas: conteúdo e método de ensino. São Paulo: Ática, 2008.



DOISE, W.; MUGNY, G. Le développement social de líntelligence. Paris: Inter- éditions, 1981.

GUIA DE ESTUDO / PROFORMAÇÃO - coordenado por Mindé B. M; Wilsa, M.
R. – 1ª. Ed. – Brasília: MEC. FUNDESCOLA, 2000. Módulo III – Volume 3.

FREIRE, P. A Educação na Cidade. SÃO Paulo: Cortez, 1987.

FREITAS, A. S. A questão da experiência na formação profissional dos professores. IN; FREITAS, A. S; LIMA, M. E. M.; SILVA, E.M A. Formação Continuada de professores: questões de reflexão. BH: Autêntica, 2005.
MIZUKAMI, M.G.N. Ensino: As abordagens do processo. São Paulo: E.P.U. 1986. MOREIRA, M.A. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: E.P.U. 1999.

O Livro da Filosofia / Tradução Rosemarie Ziegeumaier. São Paulo: Globo, 2011.

PERRET-CLERMONT, A-N. La Constructions de líntelligence dans l´interaction sociale. Berne: Peter Lang, 1979.

PLAISANCE, E.; VERGNAUD, G. As Ciências da Educação. São Paulo: Loyola, 2001.

SANTOS, M. C. Algumas Concepções sobre o Ensino-Aprendizagem em Matemática. Educação Matemática em Revista.

SNYDERS, G. Para onde vão as pedagogias não-diretivas? Lisboa: Moraes, 1974.




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