AULA 01 – CONHECIMENTO EPISTEMOLÒGICO E HISTÓRICO
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ATENÇÃO
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Régua
e Compasso
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Objetivos
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Geral:
➢
Identificar, pelo gesto e pela
fala e prática do professor, a concepção de conhecimento que permeia sua ação
em sala de aula.
Específicos:
➢
Reconhecer as características da
concepção empírica do conhecimento observando o gesto, a fala do professor e
algumas práticas,
➢
Reconhecer as características da
concepção apriorística do conhecimento no gesto e na prática e fala do professor.
➢
Reconhecer as características da
concepção sócio-interacionista do conhecimento observando-o na prática
didática do professor e em suas falas e em seus gestos.
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Assuntos
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➢
Concepção empírica.
➢ Concepção apriorística.
➢ Concepção
inter(ação), situação, mediação.
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Introdução
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Olá, estudante!
A figura
ilustra a conseqüência no aluno do resultado do diagnóstico formulado pelo
movimento “Todos pela Educação” (2012) que mostra apenas 11% dos formados no
ensino médio com nível de aprendizado adequado em matemática e 8% da
população entre 4 a 17 anos fora da escola (Dados extraídos do Editorial da
Folha de São em 12/02/2012). Iniciamos nossa aula nos colocando diante de um
problema de políticas públicas e de educação matemática.
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A representação mais comum das relações pedagógicas que
podemos fazer ainda hoje da sala de aula de algumas escolas reflete uma
prática pedagógica polarizada, tendendo a valorizar ora o professor, ora o
aluno, ainda que se encontre uma representação, mais rara, em que a relação
pedagógica manifesta uma interação entre professor, aluno e o conhecimento
(BROUSSEAU, G. 2008).
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O que essas polarizações têm a
ver com o sucesso ou fracasso dos estudantes na escola? Como é a prática
desses professores?
Respostas as essas questões serão dadas ao longo
dessa aula, mas de antemão é preciso dizer que tal polarização é conseqüência e não causa do processo escolar que tem tudo
a ver com o bom ou fraco desempenho do aprendiz. A polarização, todavia, pode
ser tomada também como um dos fatores que contribui com o sucesso ou não do aprendiz.
A questão básica que se põe é a do fenômeno da
polarização pedagógica refletida em determinadas concepções pedagógicas que
se traduzem em práticas didáticas que, segundo alguns especialistas, podem se
constituir um dos fatores facilitadores para o êxito ou não do processo de
construção do conhecimento vivenciado fora e dentro da escola. Veja a figura
a seguir.
A Figura mostra a representação de uma prática na
qual a relação do (professor) com a informação e com o aluno é bem
hierarquizada.
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SAIBA MAIS
Sátira
na qual se pode inferir o papel predominante e o comportamento autoritário do
professor em sala de aula.
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Relação pedagógica polarizada no professor?
Trata-se de uma relação possível de ser observada em
sala de aula que tem como principio fundante uma pedagogia que valoriza
relações hierárquicas ao visar à transmissão do conhecimento já “acabado”,
revelando e fortalecendo a formação de professores autoritários e estudantes
subservientes e “calados”, silenciosos e sem participação aparente no
processo sistemático de desenvolvimento de sua capacidade criativa e na
exploração com o conhecimento. Quando o professor cria várias formas de
manifestação pedagógica, por meio de seu gesto, de sua fala e de suas ações,
ele vive as atividades de trabalho pedagógico na prática. Essa prática que
nos referimos agora revela uma concepção pedagógica centrada no professor no
qual o conhecimento é concebido como algo dado pelo meio físico e social
(empirismo) ao aluno.
A Figura nos parece mostrar a representação de uma
prática na qual a relação do professor com o conhecimento parece ser mais
estreita do que a do aluno.
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Relação polarizada no aluno?
Outra representação da relação pedagógica que se
observa no cotidiano da sala de aula tem sua polarização no estudante.
Trata-se de uma pedagogia geradora muitas vezes de condutas autoritárias da
parte do aluno. Quem é refém nessa relação é o professor. Subjacente a esta prática
persiste a idéia de um conhecimento dado pela bagagem hereditária
(apriorismo).
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SABER MAIS
“Foram os teóricos da
Escola Nova e da não-diretividade os primeiros a criticar práticas
pedagógicas constituídas sobre uma base de homogeneidade; por conseguinte são
aqueles que lançaram as bases daquilo que nós, hoje, chamamos pelo nome de diversidade. Todo período histórico
fabrica seus nomes, seus termos, porque os sujeitos que os produzem numa dada
época atribuem sentidos distintos ao que depois sujeitos de outras épocas
denominarão de outra maneira”.
INFORME-SE MAIS
“A crítica das
duas tendências do pensamento pedagógico referidas acima se voltava contra a
defesa que estão se fazia da idéia e da prática pela qual o papel da Escola é
de, como uma instituição difusora da instrução, transmitir os conhecimentos
científicos acumulados pela Humanidade”.
BATISTA NETO, J. ;
SANTIAGO, E. Formação de
professores e prática pedagógica. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2006 (p.
169).
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A Figura nos mostra a representação de uma prática
na qual a relação do sujeito (aluno) com o conhecimento parece ridicularizar
a posição do professor em face da realidade da política educacional.
Snyders (1974) analisa o risco da pedagogia centrada
no aluno ao mostrar os perigos das condutas autoritárias que podem ser
praticadas em sala de aula, banalizando, inclusive, o professor.
Numa outra linha crítica, no caso de Celma (1979)
observa-se uma advertência veemente ao denunciar o quanto é danoso o efeito
das pedagogias não-diretivas na constituição da conduta do estudante em sua
relação com o professor já que esse se sente como único possuidor do
conhecimento, com sua experiência super valorizada em detrimento do saber e
da experiência do professor.
·
Prática pedagógica calcada na interação professor
e aluno?
Uma representação da sala de aula centrada na
relação entre aluno e professor tende a romper com a rigidez da polarização
das relações pedagógicas mencionadas anteriormente, dialetizando os pólos.
Noutras palavras, nenhum dos pólos tem a hegemonia prévia e determinada: o
professor traz sua bagagem de conhecimento e o aluno também tem a sua, embora
que essas sejam diferenciadas ao entrar em relação. Neste espaço, nada pode
ser definido previamente.
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Se o seu olhar se volta para a dinâmica própria do processo
de construção do conhecimento na visão piagetiana, os modelos de relações
pedagógicas até aqui apresentados devem ser completamente negados. Podemos
tirar também importantes lições com Vygotski (1896-1934) para explicitar esse
modelo, o que veremos mais a frente. Todavia, como a negação de um modelo
implica o resgate de qualidades de um e de outro, é preciso detalhar suas
qualidades e seus defeitos.
Como superar esses antagonismos pedagógicos? O que
podemos encontrar de positivo nesses modelos? Afinal, “é preciso deixar claro
que essas concepções subjacentes aos modelos não são mutuamente excludentes” (CAMARA: 1998, p. 15).
a) No primeiro modelo de relação
pedagógica, no qual o professor é o centro do processo, nota-se a relevância
dada ao conteúdo sistematizado pelas várias ciências, geralmente, considerado
o acervo cultural datado pela humanidade e a autoridade acadêmica do
professor. Isso parece ter sido o ideal primordial perseguido pela escola por
muitas décadas. Machado (1995) denominou figurativamente esta concepção
usando o termo “baldista” que explicitaria o papel do aluno na relação com o
professor. Caberia ao professor “encher” este “balde” (no caso a cabeça vazia
do aluno) com novos conhecimentos, transmitindo da melhor forma possível o
conhecimento, em geral na forma de definições, particularmente, em se
tratando do ensino de Matemática. O papel do aluno seria apenas o de escutar
o que o professor estivesse comunicando.
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SAIBA MAIS
Conhecimento prévio
“São os conhecimentos que
já possuem sobre o conteúdo concreto que se propõe aprender, conhecimentos
prévios que abrangem tanto conhecimentos e informações sobre o próprio
conteúdo como conhecimento que, de maneira direta e indireta, estão
relacionados ou podem relaionar-se com ele. Coll,C. E colagoradores”. O
Construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática,1999. (p.60)
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Figura da suposta cabeça
“vazia” do aluno sendo preenchida pelo conhecimento do professor
b)
Do segundo modelo, pode-se
recuperar a noção de experiência de vida, o saber construído até o atual
momento histórico – também denominado conhecimento prévio (COLL, 1999) - e a
capacidade de construir o conhecimento que a sala de aula tem por função
docente ativar. O “ensino centrado no aluno” é derivado, pois, da teoria,
também rogeriana, sobre personalidade e conduta (MIZUKAMI: 1986 p. 37-38). A
abordagem de Rogers é, praticamente, “a antítese no ensino centrado no
professor e no conteúdo” (MOREIRA, M.A.:1999, p.147).
c)
O ensino baseado no behaviorismo
seria planejado passo a passo, de modo a obter os resultados desejados na
prévia modelagem. Esse modelo é representativo da pedagogia do objetivo e da
instrução programada que ainda hoje influencia os softwares educativos. Ao
contrário da relação pedagógica focada no professor do ensino chamado
tradicional, nesse o aluno é o centro da aprendizagem e o professor tem como
papel favorecer a ação desse, evitando, porém, sempre que possível o
aparecimento do erro já que o aluno estaria sempre numa pretensa condição de “sucesso”.
d)
Uma pedagogia centrada na relação
recíproca entre aluno e professor, nega, por uma perspectiva, o saber
atribuído unicamente ao professor e o autoritarismo daí decorrente; recusa
também a pretensa ilusão de o professor ser o único fator a influir na aquisição
do conhecimento pelo aluno e esquiva-se a valorizar a ideia da inutilidade dos
conhecimentos
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deste. Entretanto, não reconhecem legítimas ações autoritárias por
parte do professor ou do aluno.
Da superação dessas polarizações projeta-se crescimento
recíproco do professor e do aluno e uma relação pedagógica escolar em que a
relação dos dois atores pedagógicos com o conhecimento pode ser
funcionalmente diversa, mas nunca seria a anulação de um ou do outro. Esse
modelo também passa a funcionar como um dos fatores favores ao sucesso do
aprendiz.
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A contribuição de Paulo Freire à crítica aos
modelos de ensino.
A pedagogia contemporânea ainda dispõe das
contribuições de Paulo Freire (1987) que em alguns aspectos vem somar com as
idéias dos psicólogos advogados da construção do conhecimento pela via do
diálogo entre os componentes do processo educacional. O diálogo é
conceito-chave e prática essencial na concepção freireana:
[...] “para pôr o diálogo em prática, o educador não pode
colocar-se na posição ingênua de quem se pretende detentor de todo o saber,
deve, antes, colocar-se na posição humilde de quem sabe que não sabe tudo,
reconhecendo que o analfabeto não é um homem perdido, fora da realidade, mas
alguém que tem toda uma experiência de vida e por isso também é portador de
um saber” (Paulo Freire, in Moacir Gadotti, Paulo Freire: Uma
Biobibliográfica, 1996).
À guisa de conclusão dessa Introdução, apresentamos
a seguir os principais tópicos de nossa aula. Primeiramente, vimos as
características que definem o modo como os professores vêm organizando as
atividades e estratégias didáticas do
trabalho pedagógico que realizam na escola. Os três tópicos que se seguirão a
este certamente vão aprofundar o seu aprendizado resgatado nessa Introdução.
No primeiro tópico, você vai refletir sobre as formas de manifestação da
prática nos espaços pedagógicos onde o professor foi o grande ator
pedagógico. No segundo, você vai entrar em contato com a fala, o gesto e o
discurso da tendência pedagógica que colocou o aluno no pólo principal da
relação pedagógica. O tópico terceiro evidencia as características da
pedagogia que despolariza os autores da sala de aula, pondo-os na arena do
diálogo, da interação e da construção ativa do conhecimento. Para concluir a
aula, focaremos a relevância da formação do professor no horizonte das
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Paulo Reglus Neves Freire 1921-1997
SAIBA MAIS
[...] “O diálogo deve ser
entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres
humanos. É parte de nosso progresso histórico do caminho para nos tomarmos
seres humanos”.
FREIRE, P. A
Educação na Cidade. SÃO Paulo: Cortez, 1987 (p. 128).
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transformações pedagógicas.
I – EMPIRISMO
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Como podemos reconhecer as
características da concepção fundada na visão empírica (meio) do
conhecimento? Observando os gestos, as práticas didáticas e falas do professor?
Para começar nossa reflexão, vejamos algumas definições:
“Para os empíricos o conhecimento era adquirido pelos sentidos do homem. “Não
há nenhuma concepção no espírito do homem que não tenha sigo originada (...)
nos órgãos dos sentidos” (BECKER, 1993, p. 12).
“Os empíricos acreditam que o
verdadeiro conhecimento do mundo é obtido através dos sentidos e, não,
através da razão. Esses filósofos argumentavam que temos idéias apenas porque
temos percepções. Todo conhecimento é baseado na experiência (BECKER, 1993,
p. 12).
Dessas definições que acabamos de ler podemos inferir que o
conhecimento se daria pela força dos sentidos do homem: cheiro, audição,
sabor, visão, etc. mediante um processo
perceptivo. O conhecimento acerca de uma fruta seria adquirido quando a
saborear-se, não pensando sobre as características da fruta. Seria assim com
todos os elementos da natureza. Todos os objetos (conhecimento) seriam
conhecidos pela experiência sensorial que o homem teria com esse objeto
físico ou social.
O paradigma dessa filosofia pode ser resumido numa relação
que se representa graficamente com a direção da seta da direita parta a
esquerda demonstra o aprendizado como uma espécie de condicionamento no qual
as ações possíveis do sujeito se dariam sob as condições do meio ambiente.
S (sujeito/aprendiz) O (objetos do mundo físico e social)
Noutras palavras, o mundo do objeto (conhecimento)
seria o único determinante para o sujeito. O nome do psicólogo Skinner
(1904-1990) é historicamente associado a essa visão extrema do aprendizado
denominado neobehaviorismo, que estabelece o impasse total sobre os processos
de conceitualização e de
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representação da criança (VERGNAUD, 2003). O
neobehaviorismo na visão de Skinner foi compartilhado por diversos
psicólogos, sobretudo anglo-saxões, até a década de 70, quando o movimento
cognitivista contrariou as suas teses.
Atualmente, não existem mais tantos psicólogos da educação
seguidores do behaviorismo, mais ele deixou marcas profundas nas estruturas
da psicologia e nas práticas de alguns professores.
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Que sentido tem a concepção empírica do
conhecimento no ensino?
A literatura faz algumas inferências a respeito do
conceito de aprendiz inspirado na visão empírica com reflexo no modelo de
ensino. O professor planejaria sua prática pedagógica em detalhes com ênfase
no controle do seu comportamento. Ainda que considerasse importantes as
diferenças entre os alunos de uma mesma classe, o behaviorismo inspira ações
pedagógicas baseada na previsibilidade das reações dos alunos aos estímulos e
reforços aplicados pelo professor. Os objetivos de ensino bem elaborados
buscam resultados comportamentais bem definidos antecipadamente, para que
seja possível projetar no aprendiz uma
conduta ou um comportamento projetado pelo professor. Skinner desenvolveu o
que denominou “maquina de aprendizagem”, ou seja, a organização de um material
didático de base tecnológica de maneira que o aluno pudesse estudar sozinho,
recebendo estímulos à medida que avançava no conhecimento. Grande parte dos
estímulos consistia na satisfação em dar respostas certas aos exercícios
propostos. Essa maquina não prosperou, mas acabaram influenciando o ensino
sistemático denominado Instrução Programada que tinha os mesmos objetivos e
procedimentos. O aprendiz aprenderia através de informações que lhe seriam
transmitidas, seria um receptor passivo até que repleto de informações
necessárias poderia repeti-las a outros que delas necessitasse. Quando,
porventura, o erro fica evidente, este
é atribuída a uma falta praticada pelo aluno que “não prestou a devida
atenção ao conteúdo aos passos dados que deveriam ser refeitos. Essas
explicações, quando submetidas ao cotidiano da sala de aula não resiste à
força do contraditório emanado desse espaço.
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SAIBA MAIS
“Tecnologia
educacional, engenharia de instrução, enfoque sistêmico e outras
terminologias desse tipo, hoje em desuso, refletem a grande influência do
behaviorismo de Skinner”.
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MOREIRA, M.A. São Paulo:
E.P.U., 1999. (p.62)
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Figura de uma maquina de
estudar projetada por Skinner
A avaliação é realizada visando à exatidão da
reprodução do conteúdo comunicado em sala de aula. Mede-se a quantidade de
informações que o aluno sabe ou não reproduzir por meio de instrumentos como
provas, exames, exposições orais e exercícios que expressem a exatidão da
aprendizagem do aluno ao final do ano escolar. Avaliação que hoje denominamos
somativa (que avalia todos os conteúdos acumulado num período escolar).
Becker (1994) recolhe ainda alguma fala de professores
(educação infantil, educação básica e ensino superior) acerca do conhecimento
que eles trabalham em classe nos remetendo à concepção filosófica do
conhecimento na visão empírica, explicada por ele.
Ao responder sobre “o que é o conhecimento”, o professor
responde ao nível do senso comum, ou seja, como uma pessoa que só utiliza sua
inteligência para resolver problemas do cotidiano. Vejamos alguns exemplos:
“O conhecimento é:
-
“Algo que entra pelos
sentidos/algo que vem de fora da pessoa, portanto, se instala no indivíduo
independente de sua vontade”.
Em se tratando da prática
didática, eles dizem:
- “É sentido por
esse indivíduo como uma vivência”.
- “O conhecimento
se dá sempre pelos sentidos, de uma ou outra
maneira”.
-
“[...] se dá à medida que as
coisas vão aparecendo e sendo introduzidas por nós nas crianças”.
-
“O conhecimento se dá pela reação da pessoa através
de alguns estímulos. A
partir de
situações estimulantes, na medida em que a pessoa é estimulada,
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Professor de Psicologia da Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
– UFRGS. Doutor em Psicologia Escolar pela
Universidade de São Paulo.
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perguntada, incitada,
questionada, ela é até obrigada a dar uma resposta”.
- “O aluno é como a anilina no papel em branco que a
gente tinge: passa para o papel e o aluno elabora, coloca com as próprias
palavras”.
Esse modo de conceber o conhecimento e entender o
aparecimento do conhecimento, isto é, a gênese do conhecimento num sujeito é
chamada empirismo.
Becker (1994) diz que empiristas são todos aqueles que
pensam que o conhecimento acontece porque nós vemos, ouvimos, tateamos, enfim
sentimos. Donde se conclui que o conhecimento é, então, sensível no começo,
abstrato depois.
Na Psicologia, é a teoria da associação entre estimulo e
resposta que constitui a explicação própria do empirismo. E a relação
pedagógica centrada no professor tem suporte, do ponto de vista psicológico,
no associacionismo em geral (teorias behaviorista antiga) de Watson
(1978-1958) e no neobehaviorismo de Skinner (1904-1990), este último muito
destacado no ensino. Na perspectiva filosófica a base da relação é o
empirismo, como acabamos de estudar.
II – O
APRIORISMO E A PSICOLOGIA DA FORMA
Os estudiosos do apriorismo defendem a ideia de que
o conhecimento é doado ao homem na bagagem hereditária. Receberíamos o
conhecimento de forma inata que vai se ampliando na medida em que se vai
amadurecendo e crescendo em idade. Por exemplo, as possibilidades de uma
criança vão se tornando cada vez mais ampla porque o seu amadurecimento vai
se dando também, e, quando mais amadurece mais se cresce.
Em que aspecto
o apriorismo se opõe ao empirismo, que acabamos de estudar?
O apriorismo ao enfatizar o inatismo, ele fortalece
o sujeito em detrimento da experiência que é a cereja do bolo do empirismo.
Logo, o pólo do sujeito numa relação epistemológica é super valorizada e
absoluta e a experiência relativizada. E toda a atividade de busca do
conhecimento é exclusiva do sujeito sem
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John B. Watson (1878-1958)
Psicologo behaviorista
Skinner Psicologo Neobehaviorista
(1904-1990)
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nenhuma influência ou determinação do ambiente. Atualmente,
essa concepção de conhecimento não tem seguidores, sendo importante estudá-la
como uma contribuição histórica, nem ao nível teórico da pesquisa
psicológica, nem como expressão de atividades pedagógicas.
Na verdade, tanto o empirismo como o apriorismo têm a idéia
de um universo de conhecimento dado, seja pelo meio (empirismo), seja pela
bagagem hereditária (apriorismo). Traduz-se a relação epistemológica da
bagagem inata com a seguinte representação gráfica (direção da seta)
demonstrando a ação do sujeito por força de sua bagagem hereditária
S (sujeito) Objeto
(conhecimento).
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Que sentido teria a concepção
apriorística do conhecimento para o ensino?
A concepção de conhecimento que acredita que se conhece
porque já se traz algo em si, ou inato ou programado na bagagem hereditária,
para amadurecer mais tarde, em etapas previstas, chama-se apriorismo. É comum
ouvirmos falas com as expressões seguintes: “Aquele dá para Matemática” e
“Fulano tem do dom da música”, justificando, assim, um dom que a pessoa já
traria ao nascer.
Os aprioristas são todos aqueles indivíduos que pensam que
o conhecimento acontece em cada individuo porque este já traz, em seu sistema
nervoso, o programa pronto. O mundo das coisas ou dos objetos tem função
apenas subsidiaria, noutras palavras, abastece, com conteúdo, as formas
(GESTALT) existentes de antemão.
Mas, como assinala Becker (1994), o apriorismo se opõe ao
empirismo, é verdade, mas o faz apenas neste ponto da polarização, porque
também ele no final das contas propõe a mesma visão passiva do conhecimento
por parte do sujeito, pois, de uma ou de outra maneira, suas condições
prévias já estão todas determinadas (pelo meio ou pela bagagem hereditária),
independente da atividade do indivíduo, que para Piaget é fundamental ao conhecimento.
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Nos achados de Becker (1995) tem-se, contudo alguns
exemplos de falas de professores (educação infantil, educação básica e ensino
superior) acerca do conhecimento que nos remete à concepção filosófica do
conhecimento baseada no inatismo. Vejamos alguns:
-
“Ninguém pode transmitir. É o aluno que aprende”.
-
“AH! Isso é difícil, porque acho
que ninguém pode ensinar; pode tentar transmitir, pode tentar mostrar [...]
Acho que a pessoa aprende praticamente por si” [...]
-
“O conhecimento para a criança
[...] é intuitivo, não se ensina, não se transmite”.
-
“Ele tem aquela ânsia de
conhecimento e alguma coisa que a gente tenta despertar no aluno. Ele tem
aquela ânsia de conhecer”.
O principio do fundamento psicológico dado a essa prática
vem de Carl Rogers (MOREIRA, M. A.1999), psicólogo este que considerava o
professor um facilitador da aprendizagem, que não transmite um conteúdo ao
aluno ou cria condições ambientais para que a aprendizagem ocorra, pois o
conteúdo advém das próprias experiências deste, reagindo assim ao modelo
pedagógico anterior centrado no professor.
Resumindo...
Tentamos fazer até aqui um estudo acerca do
conhecimento humano visto pela concepção filosófica empírica e pela concepção
filosófica entendida como apriorismo. Assinalamos, apenas, os reflexos dessas
filosofias nas ciências psicológicas, como é caso do behaviorismo de Watson
(1878-1958) e do neobehaviorismo Skinner (1904-1990) quando se trata do
empirismo, e de Carl Rogers (MOREIRA, M. A.1999) quando falamos de reflexos
no ensino do valor da experiência do aluno.
Como você pode verificar as concepções acerca do conhecimento até
aqui trabalhadas continua, de alguma forma, influenciando a prática
pedagógica na maioria das nossas escolas. Não é difícil encontrar, professor
utilizando um discurso pedagógico ora fundamentado nas correntes filosóficas
mencionadas,
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como ficou evidente nas falas de professores recolhidas por Becker
(1994) e nas descrições de algumas práticas.
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III - O CONHECIMENTO É UMA
CONSTRUÇÃO
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Em Piaget (1979), a origem do conhecimento não deve ser
fundada nem no sujeito (aprendiz) nem no objeto (conhecimento), mas no
fenômeno da assimilação primordial do recém-nascido humano.
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A assimilação é o resultado da organização, isto é, o bebê
mama, pela primeira vez, por força do reflexo hereditário de sucção. Ao
mamar, porém, esta organização reflexa, por força da assimilação de algo
exterior a ela, é forçada a modificar-se para dar conta das novidades que
esta exterioridade impõe: se o bico do seio é maior ou menor, se o leite sai
por força de uma mamada mais fraca ou mais forte, se o leite sai
imediatamente ou se demora a sair. A assimilação funciona como um desafio
sobre a acomodação a qual faz originar novas formas de organização. Em suma,
a assimilação sob o ponto de vista psicológico é um fato primordial, pois em
todos os domínios ela se apresenta como a origem e o resultado da organização
(BECKER, 1993).
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As verdadeiras formas ou estruturas de conhecimento
não são dadas na bagagem hereditária; também não é resultado de um decalque
das organizações dos objetos ou do meio físico ou social, por força da
pressão deste meio; mas são resultado de um processo de interação radical
entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto, (inter)ação ativada pela ação
do sujeito.
“As
relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa interação radical, de
modo tal que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pela
atividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado; e é desse estado que
derivam dois movimentos complementares; um de incorporação das coisas ao
sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas” (PIAGET, 1978, p. 386).
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ATENÇÃO
Jean Piaget
Psicólogo
Cognitivista
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1896-1980
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O modelo epistemológico que expressa esta relação é a seguinte
representação gráfica:
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S (sujeito) Objeto (conhecimento).
A direção das setas acima indica uma interação, de modo que
a tomada de consciência não começa
pelo conhecimento dos objetos, nem pela atividade do sujeito, mas de um
estado que emana de dois movimentos complementares, um de incorporação das
coisas ao sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas.
Observando a síntese do paradigma piagetiano da
apropriação do conhecimento inferimos que o sujeito é um aprendiz ativo na
sua essência, ou seja, falar de sujeito é falar em atividade,
fundamentalmente assimiladora. O sujeito
epistêmico em Piaget só e é na medida em que ele se constitui como
tal, constituindo-se pela assimilação e pela acomodação combinadas.
Afasta-se radicalmente a possibilidade de um sujeito
passivo, como defende a hipótese APRIOPRÍSTICA. Noutras palavras, “as
estruturas não estão pré- formadas dentro do sujeito, mas constroem-se á
medida das necessidades e das situações’ (PIAGET: 1978, p. 387).
Em relação à hipótese EMPIRISTA – a assimilação “é, ao mesmo tempo, construção de estruturas e
incorporação das coisas a essas estruturas... experienciais jamais é recepção
passiva: é acomodação ativa, correlativa á assimilação (PIAGET, 1978, 387). O
sujeito em geral e, por consequência, o sujeito epistêmico, é sujeito na
medida em que ele se faz, na medida em que ele se constitui como um conjunto
de relações, e não na medida em que é dado. “A inteligência é construção de
relações e não apenas identificação” (PIAGET, p. 388).
As obras marcantes de Piaget (1896-1980) no século XX
tiveram grande repercussão neste modelo, assim como as de Vygotski
(1896-1934), Wallon (1879-1962) e Bruner (*1915). Suas fundações
epistemológicas são constituídas pelo interacionismo e construtivismo até
hoje.
Vergnaud (2003) seleciona três questões científicas da
psicologia como teses contemporâneas. Vamos examinar cada uma delas.
1 Por que o movimento de confronto com a realidade e de estruturação
interna os conhecimentos
aumentam?
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2. Qual é o papel
do mediador adulto? Qual é o papel do confronto? Qual é o papel da cooperação?
3 Que relação mantém a linguagem e o pensamento?
1. Como aumenta o
conhecimento? Questões!
Existem três idéias que respondem a resposta essa
questão. Uma delas se foca na atividade do sujeito que aprende. A segunda se
prende às situações favoráveis ao aprendizado. A terceira idéia está
vinculada a mediação praticada por aprendizes entre si e esses e o adulto que
usam formas lingüísticas simbólicas na comunicação e na representação do
conhecimento. Por fim. Há uma relação entre a formação do conhecimento e a
prática do professor.
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A atividade do sujeito e as situações
Foi principalmente Piaget (1979) que mostrou
mediante pesquisas que a criança não era um receptáculo que absorvia o que se
comunicava pela demonstração e pela imitação, ou por meio do dizer e
explicar. Outros pedagogos e psicólogo também se atentaram a essa idéia:
Vygotski (1896-1934), Wallon (1879-1962), Claparède (1873-1940) e Bruner (*
1915).
A importância maior dado à ação por Piaget (1979)
provavelmente (VERGNAUD. 2003) o fez subestimar as funções da percepção, da
linguagem, da ajuda dos outros. Ele, na época, quis, porém demonstrar ao
empirismo a intensa atividade da criança, que ainda bebê, consegue explorar e
explorar espontaneamente o seu meio ambiente.
Essa atividade organizada que o sujeito desenvolve diante
das variadas situações é denominado por esquema por Piaget, a ponto de se
poder dizer que a história pessoal do sujeito ser descrita, de algum ponto de
vista, como a sequência das situações encontradas e progressivamente
dominadas por ele.
Os
primeiros esquemas do bebê são
perceptivo-gestuais, noutras palavras, essa é a maneira que o bebê organiza
as informações do ambiente e age intencionalmente sobre ele. Esses esquemas são dependentes das emoções e
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SAIBA MAIS
Henry Wallon
“As crianças respondem às
impressões que as coisas lhe causam com gestos dirigidos a elas”
Jerome Bruner
Psicólogo cognitivista que
estudou a interação entre mãe
e bebê.
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dos instintos. Os pais e o ambiente do entorno material e
social do bebê, solicitam esquemas que
mobilizam o seu interesse e a sua curiosidade.
Vergnaud (2003, p. 66) define, estão, esquema como uma
totalidade dinâmica funcional, isto é, uma organização invariante da conduta
em face uma classe de situação. Essa organização que o sujeito é comporta de
objetivos e expectativas, regras de ação, tomada de informações e de controle
e, é estruturada pelo conhecimento adequado para selecionar a informação e
processá-la.
Essa idéia da ação ativa do sujeito diante das situações
provenientes do ambiente põe aos pais e professores o desafio de oferecer um
leque de situações que despertem o
interesse e a motivação da criança em seu aprendizado. Ele pode e devem
oferecer situações nos quais problemas são colocados para serem resolvidos e
que vão possibilitar o desenvolvimento de competências dos aprendizes.
É preciso, pois, entender que a maior parte dos
conhecimentos são competências que estão tanto no plano da ação, como no plano
da conceitualização.
Vamos analisar, agora, um exemplo, do esquema de contagem dos conjuntos
discretos dado por Vergmaud (2003, p. 67).
“A criança aprende habitualmente
com 3 ou 4 anos as primeiras palavras da cantiga numérica de seleção, nos
jogos infantis: um, dois, três, quatro... Para contar uma pequena coleção,
ela precisa não somente conhecer a fórmula cantada, mas também estabelecer,
ao longo do processo de contagem, uma sequência de bijeções (função
biunívoca) entre os objetos que devem ser contados, os gestos do dedo e da
mãe, os gestos do olhar e as palavras-números pronunciadas. Além disso, é
preciso que ela considere a última palavra-número utilizada ao mesmo tempo
como marca ordinal associada ao último elemento do conjunto, e como o
cardinal de todo o conjunto”.
Figura mostrando o uso dos
dedos e das mãos na contagem
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A partir do foi anteriormente exposto, podemos ver que os
“dois princípios (bijeção e de cardinalização) são princípios matemáticos
cuja manifestação é facilmente observada na organização perceptivo-gestual do
esquema (VERGNAUD, 2003).
2. A mediação
do adulto e o papel do aluno. Questões!
Vygotski (1985) se antecipou aos demais estudiosos
da psicologia cognitiva a respeito da interação entre o adulto (professor ou
pais) durante a prática pedagógica intencional ou não, ao definir o papel do
educador em face da aprendizagem da criança.
O conceito de “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP) é,
por definição, o que a criança é capaz de fazer com a ajuda dos outros e que
não poderia fazer sozinha. A formulação desse conceito (VERGNAUD: 2003, p.
68) levou Vygotski a “distinguir os aprendizados que resultam principalmente
da experiência da criança em seu meio ambiente cotidiano (lar, por exemplo)
dos que resultam de uma ação intencional do adulto no lar e da instituição escolar”.
A relação entre o professor e o aluno, entre a mãe e o bebê
(BRUNER: 1983) é assimétrica. Já se observou também situações de interação de
maior simetria. Os estudos sobre trabalho em grupo e sobre o efeito de
aprendizado produzido pela colaboração ou pelo desacordo entre os pares tem
se mostrado bastante promissores. Um deles estuda o conflito sócio-cognitivo,
ou seja, o desacordo entre crianças para ser eficaz deve intervir entre
sujeitos com competências desiguais, mas não em demasia (DOISE, MUGNY:1981; PERRET-CLERMONT:
1979). Já há, entretanto, um consenso entre os pesquisadores: é importante
formar duplas ou grupos de alunos numa classe, mais ou menos do mesmo nível a
respeito da solução de um problema ou de um julgamento de conveniência ou de
verdade onde o professor possa intervir.
Nesse caso, quando aparece o conflito sócio-cognitivo, esse
é rapidamente superado, algumas vezes por concordância com as posições
daquele que se adiantou agir ou de dar melhores respostas aos problemas.
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SAIBA MAIS
Bijeção
Verbete: Mat. Aplicação a que todo elemento de um conjunto inicial,
associa um e não mais que um elemento do conjunto final. Função biunívoca. Função bijetora.
Dicionário
Houaiss de LINGUA Portuguesa. P. 452
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Figura na qual um grupo de
crianças estão voltadas para uma mesma situação
Em suma, a mediação do adulto
(pais ou professor) é se suma relevância para garantir que nos processos de
competição e cooperação espontâneos que surgem em classe, nenhuma criança
fique sem participar ativamente no grupo ou na dupla.
3.Linguagem e ao Pensamento.
Questões!
Os significantes lingüísticos, e de maneira geral as
formas simbólicas utilizadas no ensino (gráfico, diagramas, esquemas, quadro,
álgebra) modificam o nível dos conhecimentos formados na ação em situação.
Além disso, as falas dos adultos e das
outras pessoas fornecem à criança inúmeras ocasiões de questionamento, de tal
modo que a questão da linguagem e de suas relações com o pensamento é
necessariamente central para a psicologia da educação e para a psicologia
cognitiva.
É preciso analisar (VERGNAUD, 2003) as funções da linguagem
na atividade do mediador adulto nas relações de interação nas situações de aprendizagem com a crianças.
Observando as práticas pedagógicas de professores,
constata-se que os professores falam em primeiro lugar para dar ordens aos
alunos, levá-los a uma
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Psicólogo Cognitivista
LEV VYGOTSKI
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atividade, esclarecer o
melhor possível o conteúdo de sua responsabilidade.
Quando os alunos são introduzidos assim numa
situação de aprendizagem, os professores intervêm também para lhes chamar
atenção para determinada informação ou determinado objeto que diz respeito a
eles. Às vezes, ainda, recordam um conhecimento útil, ou então enunciam
perguntas mais precisas, cuja função é ajudar os alunos a condensar sua
pesquisa a respeito de um objeto, uma ação, uma questão. Enfim, acompanham a
atividade dos alunos por meio de comentários destinados a favorecer seu
raciocínio e ajudá-los a estabelecer, planejar e controlar seu comportamento.
Essa rápida descrição tende a mostrar a que ponto a
atividade lingüística do professor reflete a organização dos esquemas e tem
por fim ajudar os alunos a formar, em situação, esquemas novos.
Provavelmente, diz Vergnaud (2003, p. 71) “o mais
importante na análise das relações entre linguagem e pensamento é procurar a
que componentes dos esquemas pode enviar a estrutura fundamental predicativa
da linguagem. Essa estrutura predicativa é, em particular, a dos enunciados e
dos textos científicos: são designados ou evocados objetos dos quais se
afirmam certas propriedades ou determinadas relações com outros objetos, sob
certas condições”.
A observação dos alunos que estão resolvendo um
problema novo para eles confirma essa análise de que a linguagem que
acompanha o pensamento contribui para a seleção e a transformação da
informação, para a regulação e o planejamento da ação, para o esclarecimento
e a lembrança do objetivo a atingir.
No exemplo a seguir, analisaremos um caso no qual a
interação entre os alunos e o professor permite que dois sentidos da divisão
sejam relacionados e (ETCHEMENDY; SADOVSKY; TARASOW,: 2011, p.22) e
observamos a função da linguagem do adulto na transmissão do conhecimento e
no desenvolvimento cognitivo de um grupo de estudantes que tiveram uma
história escolar perturbada que acabou
por incluí-los nos segundo ciclo com idade bastante defasada em relação à habitual.
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Tais interações ocorreram durante aulas de Matemática
realizadas como parte do Programa de Aceleração da Cidade de Buenos Aires, em
uma sala de 6º e 7º ano. Na primeira aula, os alunos foram posto diante do
seguinte problema: “Joaquim recebeu 370 pesos. Se ele gasta 12 pesos em
comida por dia, para quantos dias o dinheiro dá? Quanto dinheiro sobra para
ele comer no dia seguinte?” Anteriormente, os estudantes resolveram problemas
de repartir e distribuir. Esta é a primeira vez que são confrontados com um problema
de divisão em que um sentido diferente é mobilizado.
A aula segue a seguinte sequência didática: cada aluno deve
produzir uma resolução para o problema; depois, deve reunir-se em grupo e
escolher entre todos apenas uma solução para depois expô-la ao resto da
turma. Assim, tendo de escolher somente uma das produções, os alunos se põe a
discutir.
Vamos, agora, reproduzir uma parte do debate coletivo no
qual a professora tem a intenção de contribuir para as crianças criarem
relações entre o problema que acabaram de resolver e os problemas de
repartir. Vamos aos diálogos!
1- Professora: Bem, vamos rever o
que nós discutimos há pouco. Sabem o que eu estava pensando? Notaram que
vimos que é possível usar a subtração para resolver o problema? Notaram que
todos, nos seus cartazes, usaram a divisão para resolver o problema? Leo
disse ao grupo que não poderia ser uma divisão porque não é um problema de
repartir. Ele está certo ou errado?
2-
Pedro: Não é assim...
3- Cristian: Não, não está certo...
Não é repartir. Como posso explicar? Não é como repartir, é como... É um
problema de gastar
4- Professora: Então, se é de
gastar, é um problema de subtração, como disse Leo?
5-
Pedro: Pode
ser de subtrair, mas...
6- David: Quando o problema é de
divisão, você percebe porque a pergunta diz que você tem de repartir.
7-
Pedro: Sim,
mas esse é como você repartisse o dinheiro nos dias.
8-
Walter: Esse
é o dinheiro que vai embora assim... (faz um gesto indicando a repetição).
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9- David: São 12 que vão a cada dia...
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10- Pedro: É
como você ter dinheiro e dar para as crianças.
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11- David: É
como os dias fossem crianças e você tem de dar 12 a cada
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uma.
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12- Cristian: Tenho
de saber se tenho 370 e tenho de dar 12 crianças.
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13- Karen: Não,
eu tenho de dar a 30 crianças, 12 balas...
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14- Pedro: Não
sabemos que são 30. Nós temos que descobrir para quantas
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SABER MAIS
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crianças.
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15-
Professora: Então, sei que tenho de dar 12 a cada um e não sei para quantos o que
tenho é suficiente. O que não sei é quantos “dozes” posso tirar. Sabem o que
a turma do outro 6º/7º disse?
16-
Vários: Não,
o quê?
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“Entendemos que um
procedimento colocado em jogo pelos estudantes – correto ou não – é a
expressão de um conjunto de relações que eles estabelecem”.
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17- Professora: Que
precisavam ver quantos 12 cabiam em 370.
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(ETCHEMENDY; SADOVSKY; TARASOW,: 2011, p.22)
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18- David: Sim, é assim.
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19- Cristian: É
uma conta de multiplicar 30 vezes 12. São 30 os que cabem.
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20- Professora: Então,
é um problema que você precisa descobrir quantas
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vezes
cabe o 12. É correto dizer isso?
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21- Pedro: Nós
fizemos o mesmo? Não, professora?
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22- Cristian: Se
você faz 12,12,12,12, faz direto 12x20 é 240 e 12x30 e dá
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360
e então você para...
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23- Professora: Então,
é um problema no qual temos que formar grupinhos
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de
12...
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24- Leo: Formar
grupos... Então é uma divisão!
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Análise dos diálogos:
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(1) A professora mostra
uma possível contradição entre as idéias.
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Para responder a David (6)
Pedro (7) compara problemas trabalhados a um
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de repartir e Walter (8)
colabora com gesto ilustrando a idéia. David (11)
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transforma o problema de
“gastar em cada dia” em um de “distribuir dineiro
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entre crianças”. A
professora (15) e (17) propôs uma formulação mais geral
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que abarca ambas as
situações e já está descontextualizada, deixando de
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falar sobre crianças, dias
e dinheiros e propõe relações entre números.
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Cristian (22) retoma a
intervenção (20) da professora e, com esforço atribui
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um significado,
explicitando a relação entre multiplicação e divisão. Enfim,
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Leo (24), ao reconhecer a divisão na operação de construir
grupos com quantidade iguais de elementos, formula o modelo abstrato e geral
que compreende os dois tipos de problema.
Pelo que vimos, podemos concordar com Vergnaud (2003, p.71)
que afirma que não se pode confundir pensamento e linguagem, ainda que a
linguagem desempenhe um papel muito importante na conceitualização e no
funcionamento do pensamento em situação.
Reflexos da
Concepção Construtivista do Conhecimento no Ensino
As idéias construtivistas embora que, por muitos,
interpretadas como uma ação escolar, exclusivamente do sujeito, vem
conseguindo demonstrar que o aluno é colocado na situação de alguém que
precisa resolver um certo problema mas
que não possui a ferramenta necessária ou mais adequada para fazê-la.
Nessa situação, resta ao sujeito construir uma ferramenta que lhe permita a
resolução de seu problema com o concurso do professor e de seus colegas.
A base dessa formulação é calcada na chave piagetina que
afirma ser através da “ação que se aprende”, ou seja, a apropriação do
conhecimento está associada ao processo de inter(ação) entre o sujeito
(aluno) e o objeto (conhecimento, cultura, valores sociais, etc.). Em
Matemática, Câmara (1998) exemplifica dizendo que o aluno aprende pela
resolução de problemas e, não escutando o professor relatar (comunicar na visão empírica) esse “objeto” em sua aula.
Desta forma, o aprendiz vai correr atrás para resolver sua questão, atuando
ativamente no processo de apropriação do conhecimento.
Outra base que se reflete nesse modelo de ensino é a do
desequilíbrio que passa o aprendiz diante de um problema a resolver. A fase
do desequilíbrio corresponde ao momento em que o aluno consegue perceber a
insuficiência de suas ferramentas para resolver um certo problema e por em
xeque o que conhecia ao buscar novas possibilidades de reorganização de seus
esquemas de conhecimento para a resolução exitosa do problema.
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A terceira pilastra do ensino de base construtivista tem
apoio na própria critica que faz à visão empírica do conhecimento que coloca
o aluno na cena didática com uma suposta cabeça vazia, ao argumentar a favor
da idéia de que o aprendiz já inicia á sua aprendizagem com uma bagagem,
pequena que seja de representação da ferramenta que vai precisar desenvolver
para resolver seu problema. Bachelard afirma (1989): “em qualquer idade, o
espírito não é jamais virgem, tábua lisa ou cera sem impressão”. Noutras palavras,
qualquer sujeito tem uma representação, pequena ou insipiente que seja, do
conhecimento que se vê defrontar-se.
Finalmente, a última base do ensino tem no horizonte o
paradigma a relação recíproca entre sujeito (aprendiz) e o objeto
(conhecimento), ou seja, as interações sociais entre os alunos podem
facilitar a aprendizagem, particularmente, se for realizada em grupos entre
aprendizes, organizados em sala de aula, conforme a orientação do professor
que conhece suas dificuldades e experiências com o conhecimento.
Nesse modelo a aprendizagem é a passagem de uma antiga
concepção a uma concepção nova de um problema, após a superação de um
obstáculo no nível do conhecimento que impede que se alcance a nova
formulação da questão em debate. A busca do novo conhecimento fica na ação do
aprendiz que se ver diante de um conflito sócio-cognitivo.
Noutras palavras, neste ensino a estratégia é a seguinte:
coloca-se o aluno em face de um obstáculo (pergunta, questão, problema,
desafio etc.), gerando o aparecimento de um conflito interno ao sujeito. Esse conflito gerado pelo conhecimento que
detém (insuficiente para sanar o conflito) para dar conta da situação
será gerado por uma contradição entre uma antecipação do aluno, baseada em
suas antigas concepções e a situação que lhe é apresentada e que coloca em
evidencia a insuficiência dessa antiga concepção. Esse conflito pode ser
gerado pela própria situação de aprendizagem (meio) ou pelo debate entre os
participantes da situação (CAMARA, 1998). Enfim uma situação problema.
Becker
(1994) apresenta também alguns depoimentos dos professores que se aproximam
dessa concepção. Vejamos os exemplos:
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|
.
![]()
Gérard
Vergnaud, 76 anos, francês, fez tese de doutorado com Jena Piaget.
Psicólogo
Cognitivista e Matemático
|

-
“A criança adquire conhecimento
acho que olhando o mundo, o ambiente. Sofrendo influência das coisas ao seu
redor: começa-se a estabelecer relações com este mundo”.
-
“A criança já traz parte do
conhecimento. Adquire outra parte com o meio e constrói a partir disto”.
-
“O bicho eu adestro, é
estímulo-resposta (referindo-se à aprendizagem animal) . A criança envolve
inteligência, pensamento divergente, ela questiona, vai além”.
-
“Como professora, eu procuro
interferir o mínimo possível, para que a criança toque, mexa, experimente e,
para isso, o professor precisa ter um pouco de sensibilidade para perceber se
o aluno está ou não a fim de algo”.
-
“Olha, o conhecimento é o domínio
sobre o saber fazer, no sentido da especificidade do curso que eu trabalho
(Arquitetura). Noutro sentido, vejo como aquilo que tu produziste sobre esse saber”.
IV. FORMAÇÃO DO
PROFESSOR
Na última década do século passado, o tema da
formação do professor foi uma estratégia básica das políticas de formação de
professores no Brasil. A formação é tomada como um instrumento para por em
prática as mudanças planejadas pelos órgãos institucionais educacionais
(FREITAS, 2005). Mesmo que a arquitetura não fosse mais colocar o professor
dentro de uma armadura para afastá-lo da idéia do conhecimento como algo
externo ao sujeito ou como o conhecimento dado (ambiente ou herança) muitas
práticas formativas passaram a trabalhar com outro paradigma do conhecimento
que é o construtivismo em Piaget (1979). Algumas delas, porém, na ânsia de
responder aos objetivos dos sistemas de ensino nos diversos níveis
continuaram a praticar a formação do professor, vendo-o, como uma tabula
rasa, que precisava esquecer tudo que aprendeu ou jogar sua bagagem para fora
da janela escolar.
Ao concluirmos
o estudo sobre o construtivismo, é preciso que se diga que “uma
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formação com possibilidade de incidir sobre a trajetória de
vida do professor e, naturalmente, de sua docência, deve ser considerada como
um projeto que visa reduzir a imagem do que um indivíduo deseja ser
(identidade percebida) e o que é (identidade herdada, o que separa seu ser do seu projeto” (FREITAS, 2005, p. 46).
IV - Conclusão geral
Em entrevista recente, Becker resumiu
a importância das idéias de Piaget para a nossa contemporaneidade.
“O grande desafio do século XXI, pelo menos
do início deste século, é o de transformar o ensino na medida do processo de
aprendizagem, e esta na medida do processo de desenvolvimento do conhecimento
humano. A atividade da escola deve transformar-se a partir do princípio de
que o aluno é um centro de atividade, e não um receptáculo vazio a ser
preenchido de conteúdos, freqüentemente sem sentido. Simplificando, a escola
precisa transforma-se cada vez mais em laboratório, e ser cada vez menos
auditório. Os agentes dessa transformação são, em primeiríssimo lugar, os professores.
Isso demanda uma formação docente de grande envergadura. O professor precisa
aprender a ensinar pela atividade do aluno. O aluno que não age sobre um
conteúdo qualquer, não consegue aprender esse conteúdo, muito menos
transformar sua capacidade de aprendizagem, ampliando-a. Isto é, uma escola
ativa não só ajuda o aluno a aprender, mas a se desenvolver, isto é, a
aumentar sua capacidade de aprender; ou, como lembra Piaget, a aprender a
aprender. Aliás, Piaget tem muito a dizer para esse processo de formação
docente”. (Fonte: http://www.unisinos.br/ihuonline).
Atividades:
1) Analise, por
escrito, a seguinte afirmação de Skinner (1995).
Skinner não se negou a levar suas teses sobre planejamento
da cultura e da educação às últimas conseqüências, discutindo-as diante da
tradição pensamento ocidental que valoriza a liberdade da pessoa como
bem supremo
(CUNHA, M.V. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008. (p.55-
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56)
Resposta: Como base nas abordagens de Piaget,
Vygotski e Freire, pode se verificar que a mente do aprendiz não é “vazia”,
não tem esquemas mentais em desenvolvimento com o ambiente, mas dependa tão
somente dos estímulos do ambiente. Para o psicólogo neobehaviorista Skinner,
a educação planejada passo a passo freia uma construção subjetiva e singular
que ele renegava.
2) Responda: é possível superar essas idéias e
práticas ainda existentes em algumas
escolas? Que ferramenta seria necessária para contribuir para o professor, a
escola e sociedade passarem por um recomeço?
Resposta: Com base nas idéias de Piaget, Vygotski, Vergnaud
e Freire, creio que o professor em formação pode ver o mundo escolar por
outra janela, olhando o aprendiz como um sujeito ser ativo, com esquemas
mentais que se organizam em interação com os desafios do ambiente físico,
social e cultural compartilhando, em palavras, com seus pares e com os
adultos de seu entorno a construção de seu conhecimento.
REFERÊNCIAS
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Curitiba: Ed. UFPR, 2007.
BACHELAT, G. A formation
de l´esprit cientifique. Paris: Vrim. 1989.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS. MATEMATICA. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
BECKER, F. A Epistemologia do Professor. Rio de
Janeiro: Vozes, 1993.
O que é o construtivismo. Série Ideias.
N.20. São Paulo: FDE, 1994. P. 87-93.
Educação e Construção do Conhecimento. Porto Alegre: ARTMED, 2001.
BROUSSEAU, G. Introdução ao estudo das situações
didáticas: conteúdo e método de ensino. São Paulo: Ática, 2008.
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DOISE, W.; MUGNY, G. Le développement social de líntelligence.
Paris: Inter- éditions, 1981.
GUIA
DE ESTUDO / PROFORMAÇÃO - coordenado por Mindé B. M; Wilsa, M.
R. – 1ª. Ed. – Brasília:
MEC. FUNDESCOLA, 2000. Módulo III – Volume 3.
FREIRE, P. A Educação na Cidade. SÃO Paulo:
Cortez, 1987.
FREITAS, A. S.
A questão da experiência na formação profissional dos professores. IN;
FREITAS, A. S; LIMA, M. E. M.; SILVA, E.M A. Formação Continuada de professores: questões de reflexão. BH:
Autêntica, 2005.
MIZUKAMI,
M.G.N. Ensino: As abordagens do processo. São Paulo: E.P.U. 1986. MOREIRA,
M.A. Teorias de Aprendizagem. São
Paulo: E.P.U. 1999.
O
Livro da Filosofia / Tradução Rosemarie Ziegeumaier. São Paulo: Globo,
2011.
PERRET-CLERMONT, A-N. La Constructions de líntelligence dans
l´interaction sociale. Berne: Peter Lang, 1979.
PLAISANCE, E.; VERGNAUD,
G. As Ciências da Educação. São
Paulo: Loyola, 2001.
SANTOS, M. C. Algumas Concepções sobre o
Ensino-Aprendizagem em Matemática. Educação Matemática em Revista.
SNYDERS, G. Para onde vão as pedagogias não-diretivas?
Lisboa: Moraes, 1974.
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